Paulo Cunha e Silva
"Governo dá-me cobertura política"
"Arrojado, atrevido, a favor da experimentação" - Paulo Cunha e Silva não fala de si; fala do seu pensamento. "Fui escolhido pelo meu pensamento", diz, a propósito da sua escolha para presidir ao novo Instituto das Artes (IA). Naquela que é a sua primeira entrevista como dirigente indigitado para presidir ao novo organismo que regulará a arte contemporânea - a tomada de posse deverá verificar-se no final do mês -, Paulo Cunha e Silva diz ter liberdade para afastar quem quiser, e autonomia para convidar quem entender. "Há muita coragem da parte de quem me convidou". Personalidade mediática cimentada com o Porto 2001, garante não ter uma visão partidária da intervenção cultural, mas identifica-se com o programa do Governo para o IA.
"Arrojado, atrevido, a favor da experimentação" - Paulo Cunha e Silva não fala de si; fala do seu pensamento. "Fui escolhido pelo meu pensamento", diz, a propósito da sua escolha para presidir ao novo Instituto das Artes (IA). Naquela que é a sua primeira entrevista como dirigente indigitado para presidir ao novo organismo que regulará a arte contemporânea - a tomada de posse deverá verificar-se no final do mês -, Paulo Cunha e Silva diz ter liberdade para afastar quem quiser, e autonomia para convidar quem entender. "Há muita coragem da parte de quem me convidou". Personalidade mediática cimentada com o Porto 2001, garante não ter uma visão partidária da intervenção cultural, mas identifica-se com o programa do Governo para o IA.
(Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada no Jornal de Notícias a 5 de Julho de 2003)
Estava do lado mais confortável, a fazer dignósticos. Está preparado para passar para o outro lado: ser dignosticado?
Isso é injusto. Durante o Porto 2001, estive do outro lado, e de uma forma guerrilheira: tive editoriais de jornal e cronistas contra mim. Mas sinto-me bem dos dois lados.Sou muito experimental, como o presidente de um instituto de arte contemporânea deve ser. Tentei ser um crítico eficaz, não cabotino, inconsequente ou cretino. Pretendo fazer o mesmo exercendo uma direcção substantiva, estratégica e com sentido.
Foi um das raros defensores da fusão do Instituto de Arte Contemporânea com o Instituto Português de Artes do Espectáculo. Isso influenciou o convite?
Há muita coragem da parte de quem me convidou. Não fui escolhido por ser do PSD, nem sou alguém a quem o Governo quer premiar por fidelidade política. Fui escolhido pelo meu pensamento - arrojado, atrevido, a favor da experimentação - e pela minha prática. A não ser que sejam sádicos comigo ou masoquistas consigo próprios ou que tenha havido um erro de casting, convidaram-me porque há espaço para o que defendo. Não é inocente o facto de o Governo me dar cobertura política e técnica para exercer o mandato com alguma estratégia.
Quais são as principais vantagens desta fusão?
São as menos interessantes: orgânicas, funcionais e administrativas.Acredito que o instituto não foi feito para poupar dinheiro, mas para criar uma estrutura mais ágil. Há um princípio de ligação entre as artes performativas e visuais. E faz sentido haver um instituto exclusivamente dedicado à divulgação da contemporaneidade.Talvez o cinema de autor e a fotografia devessem estar integrados no Instituto das Artes.
"Não serei o coveiro da arte contemporânea nem o burocrata dos subsídios". Será o quê?
Alguém que vai promover a criação e os criadores. Um provedor dos artistas, um interlocutor. Sou uma pessoa que conhece, de facto, o território das artes performativas e o das plásticas.E isso é uma vantagem.
Publicamente ligado ao PS, como se sente sendo uma aquisição do Governo PSD?
A minha ligação com o PS é fluída. Fiz parte da comissão de honra da candidatura de Ferro Rodrigues à putativa liderança do país e aceitei o convite de Francisco Assis para integrar um grupo de reflexão sobre comunicação e cultura. Não tenho uma visão partidária da intervenção cultural. Não sou arregimentado ou arregimentável.
Manuel Maria Carrilho foi um acérrimo defensor da contemporaneidade em detrimento do património, que é a prioridade deste Governo.Prevê obstáculos na gestão do IA?
Isso não é verdade. Li o programa do Governo, e é particularmente generoso na defesa da contemporaneidade. Não aceitaria integrar um instituto com esta importância se sentisse que não há apoio político na prossecução dos seus objectivos. Sou patrimonialista na relação com a contemporaneidade e contemporâneo na relação com o património. Ou seja, criar condições para que ela possa existir no futuro. O IA nunca existiu.
O que vai ser o Instituto das Artes?
Vou apostar em dois pólos de circulação: descentralizar e internacionalizar.Internacionalizar porque a cultura é a melhor imagem do país.Não há diplomacia económica e política sem diplomacia cultural.Ninguém aposta num país que não existe. Descentralizar, no sentido de conciliar o país com a arte contemporânea e mostrá-lo através dela. O Euro 2004 pode ser importante porque envolve muita gente.Tenho ideias para os estádios, mas ainda não faz sentido divulgar.Também o Brasil pode ajudar Portugal a amplificar-se. No âmbito da política cultural, gostava de fazer lá a minha primeira acção do IA. Do ponto de vista simbólico, quero chamar ao instituto "IÁ", com sentido afirmativo, coloquial e contemporâneo, e não "ÍA", verbo condicional e distante.
O IA corre o risco de apoiar mais os artistas já consagrados?
A definição do estatuto de artista é uma das prioridades. O IA não pode apoiar só artistas consagrados, para isso é que existem apoios pontuais, para o carácter efémero, transitório, não sistemático da criação artística.
O que o poderia fazer desistir do Instituto das Artes?
Tirarem-me as condições políticas e financeiras de que necessito para defender este projecto. Não vou fazer um IA assim-assim, vou tentar fazer um instituto bom.Disse que só toma posse quando o IPAE resolver a questão dos subsídios em atraso.
Remete o problema para quem está antes de si?
É uma afirmação com sentido político e não como quem sacode a água do capote. Estou a passar um sinal a quem foi atribuído o subsídio de que não concordo com o atraso. É uma forma de pressão para que o assunto seja resolvido. Uma das palavras mais repugnantes no actual léxico político-cultural é a subsidiodependência. É insultuosa para quem faz da cultura o seu modo de vida. Os artistas dependem do apoio do Estado para fazer o seu trabalho como qualquer um de nós. Eu também sou um subsidiodependente.
Identifica-se com a política cultural do Governo?
Identifico-me com o programa de Governo que diz respeito ao Instituto das Artes.Disse que as pessoas do Porto 2001 tinham sido mal aproveitadas.
Tenciona recuperá-las?
Primeiro, tenho que reciclar as pessoas que vêm dos dois institutos. Não vou fazer nenhuma caça às bruxas, embora me tenham dado liberdade para afastar quem quiser. Claro que também tenho intenção de trabalhar com pessoas que conheço bem, e essas são do Porto 2001.Tenho que convidar dois subdirectores e três directores de serviço.
Mesmo inconscientemente, terá preocupações especiais com o Porto?
Sim. Gostaria de fazer o IA a partir do Porto, de transportar a sede para cá, mas os estatutos não permitem. De qualquer forma, tentarei fazer uma presidência aberta.Pedro Roseta disse que não cumprirá o segundo mandato.
É uma perda?
Não faço comentários políticos. Mas acho-o profundamente empenhado na defesa da cultura. Aliás, como o próprio secretário de Estado, que me surpreendeu muito positivamente.
Qual é o equilíbrio de quem considera a cultura uma importante arma política, mas evita a partidarização?
A minha intervenção é apartidária, mas não apolítica. O triângulo política-economia-cultura é fundamental para um país funcionar convenientemente.
Quando rebentou a polémica da Casa da Música, foi o primeiro a aventar soluções...
Fui a pessoa que mais apareceu na comunicação social a dar a cara pelo Pedro Burmester numa situação politicamente complicada para mim. Disse é que não havia condições para aquele Conselho de Administração continuar.
Querem fazer da Casa da Música o que acusou de quererem fazer com o Porto 2001: uma oportunidade perdida?
Não. A Casa da Música será a nova Torre dos Clérigos do Porto.E, tanto quanto sei, Rui Rio concorda.
Como vê a crítica de Rui Amaral que o acusa de ter gasto 99% da verba do seu pelouro do Porto 2001 em "Outras Despesas"?
É disparatado, esquizóide, patológico. Era preocupante se fosse 5%, porque era excessivo. Sendo mais, só posso estar diante de um de três cenários: ou fiz a programação (o maior colóquio internacional feito em Portugal; mais de 50 edições; a "Rosa do Mundo"; exposições e espectáculos performativos) com 2150 contos e, nesse caso, deveria ser nomeado ministro da Economia; ou há uma patologia contabilística no sentido da nova empresa considerar "outras despesas" todas as que estavam discriminadas; ou, então, e esta parece-me a hipótese mais plausível, essa informação surgiu a seguir à minha indigitação, o que não será inocente vindo de uma pessoa que tem essa afirmação há um ano.
Foi dos maiores críticos do Porto pós-2001, que definiu como a capital europeia do vazio. Quer actualizar a definição?
Não se pode dizer bem nem mal da política cultural da Câmara porque ela não existe. Aliás, o próprio presidente da Câmara faz gala em dizer isso. O que não existe não é criticável. E a cultura é importante como elemento de coesão social. Tendo esta autarquia um discurso social tão arreigado, devia ter percebido isto. As instituições importantes da cidade estão ligadas ao Ministério da Cultura. Se o ministério desaparecesse do Porto, a cidade culturalmente morria. Acabava a Casa da Música, Serralves, o São João.
Entende a cisão entre Rui Rio e Marcelo Mendes Pinto?
Não quero envolver-me nas questões camarárias, mas claro que há uma falta de sintonia. É publico e notório.
Rui Rio terá hipótese de repetir o mandato?
Não sei. Mas acho que está numa situação difícil.
Perfil
Herói Super-Homem
Música Clássica e contemporânea
Escritores Pessoa, Proust, Musil.
Paixão Mar
Cidade Rio, Roma, Sidney, Porto e agora Lisboa
Objecto Telemóvel
Filme "Blue velvet"(David Lynch), "eXistenZ" (David Cronenberg)
Lema Trabalhar divertindo-me e divertir-me trabalhando.
Confissões
"O que mais me angustia é deixar de escrever catálogos de exposições, que fazia com a maior das ingenuidades, a troco de um quadro.Vou suspender a minha visão do Mundo. Mas não deixo a crónica - é um observatório que quero manter. Entretanto, já não cultivo orquídeas; vendi-as à minha mãe, juntamente com os cactos.
Protagonismo? Não, obrigada.
Acusam-no de fome de protagonismo. Confrontado com o rumor, surpreende-se."É um anátema que cai sobre todas as pessoas que aparecem. Não é isso que me faz mover, é a vontade de fazer e realizar. Se faço bem e realizo bem, já é outra história". A "Visão" colocou-o no rol dos 200 portugueses mais importantes. Ficará na história? "Na minha, com certeza, porque faço as coisas com desassombro e empenho".
Pedofilia
"O último ano foi muito duro. A crença nas instituições entrou em crise". Sobre o cenário nacional, escolhe a pedofilia. "Houve múltiplos escândalos. O da pedofilia foi o que mais perturbou a autoestima do país. Em relação a Pedroso, é minha convição de que é inocente. O desfecho nunca será feliz: se forem inocentes, o sistema fica precarizado; se não, o país entra em crise.
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