quinta-feira, setembro 13, 2007

Felícia Cabrita


"Pinto da Costa deve ter
um segredo como o de Fátima"

Sábado à noite. Felícia Cabrita, 43 anos, responde por telefone às perguntas que recebeu minutos antes. Era a única exigência: responder no período desecelerado de fim-de-semana. Subtrai ao lazer 27 minutos. Jornalista de investigação do Expresso, onde desenterrou o caso Casa Pia e, agora, do Sol, onde publicou, a quatro mãos [com Ana Sofia Fonseca], a biografia de Pinto da Costa, afirma: “Sou eu que atiro os foguetes.”
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 23 de Julho na série Farpas do Jornal de Notícias]

Disse, a propósito de Carolina Salgado, que "ela fala como se fosse uma criança irresponsável". Como fala Ana Salgado?
Quando ouço as várias horas gravadas em cassetes - disponíveis para a Justiça ouvir quando quiser - da longa entrevista que me foi dada por Carolina Salgado; quando me lembro de crimes relatados por ela com toda a tranquilidade - estamos a falar de crimes como as agressões feitas ao ex-vereador do PS da Câmara de Gondomar - dizendo que, a mando de Pinto da Costa, contratou pessoas para o limparem; quando nas mesmas cassetes ouço Carolina Salgado dizer que já tinha feito outros serviços iguais, mas com resultados melhores – lembre-se que Ricardo Bexiga não foi morto – e que, geralmente, o fazia depois de deitar as crianças; quando, durante a minha investigação, constato que Carolina mente quando diz que destruiu as câmaras de filmar onde esta agressão ocorreu, quando a Câmara do Porto me diz que neste parque de estacionamento nunca houve câmaras de filmar, o mínimo - e com toda a bondade -, que se pode dizer é que estamos a falar de uma criança irresponsável. Em relação à Ana Salgado, nunca falei com ela. Nisto, sou como os grandes assaltantes de bancos: um bom profissional não assalta dependências; eu não faço gemadas.

Para justificar a ausência de Pinto da Costa no lançamento da sua biografia, sugeriu que ele estaria a preparar-se para anunciar uma espécie de bomba, que nunca chegou a rebentar. Já pode desvendar o que era?
Essa informação foi-me transmitida por alguém próximo de Jorge Nuno Pinto da Costa, e se ele até aqui não a revelou, é porque deve ser um segredo com a dimensão do segredo de Fátima.

De todas as biografias que assinou (Valentim Loureiro, Capitão Roby, António Salazar…), Pinto da Costa foi o único a ganhar a sua simpatia?
É preciso ler todas as minhas biografias para chegar à conclusão que trato alguém com simpatia. Houve alguém relacionado com uma das biografias que escrevi que, após a saída do primeiro capítulo [foi publicada em dois capítulos], tentou passar-me a mão pelo pêlo. Respondi-lhe que quando escrevo não tenho coração. A senhora revelou um humor que, até aí, não tinha revelado e perguntou-me se o coração depois voltava para o mesmo lugar. Em relação à biografia de Pinto da Costa, não respondo; pergunto: qual foi a jornalista que, até agora, falou dos assuntos, alguns bastante melindrosos, que são tratados nesta biografia que, aliás, é assinada por duas pessoas [com Ana Sofia Fonseca]. Falar é fácil; investigar, escrever e publicar é mais complicado. Sobretudo para quem, como é hábito, e é reconhecido no panorama que se vive neste momento em Portugal, faz jornalismo oficial e sentado na cadeira.

Seria capaz de o investigar?
Com certeza. Quando escrevo uma biografia tento esgotar o assunto. E penso que o tenho conseguido. Mas, se por acaso, surgir qualquer caso relacionado com essa pessoa, que me leve a outra investigação, obviamente que o farei.

A relação com as fontes é, inevitavelmente, um exercício de sedução?
Podia responder-lhe com a sua forma de introduzir este texto, que é, obviamente, uma tentativa de sedução. Mas aquilo que lhe respondo (e depende das fontes que estamos a falar, porque há fontes que preservamos ao longo do tempo) é que aquilo que faz um bom jornalista é a sua boa agenda. E eu tenho muitos anos de carreira. Tenho, pelo menos, dezoito. Portanto, tenho uma excelente agenda. O fundamental no trabalho com as fontes é ouvi-las muito bem e ‘chekar’. São as regras básicas do jornalismo: ouvir a fonte e ‘chekar’ o que ela diz.

No fim de uma investigação, mantém as fronteiras estabelecidas ou consegue criar uma relação de amizade com uma fonte?
Depende dos casos. Mas eu sou uma pessoa muito solitária. Felizmente, não tenho relações com partidos, com o poder, nem com clubes de futebol. O que me faz, de facto - e deve ser um defeito de carácter -, não ter grandes relações. O que não quer dizer que, no fim de determinados trabalhos, não se ganhe alguma simpatia por esta ou aquela pessoa. E quando estamos a falar de trabalhos, estamos a falar de trabalhos de investigação onde vejo muita gente. E portanto, posso ter mais simpatias por umas do que por outras. Em relação a figuras com trajectos tão diferentes como Jerónimo de Sousa e Mota Amaral, penso que, de parte a parte, a simpatia é mútua.

A blogosfera não é particularmente generosa consigo. Li que é "fria", "ambiciosa", que se comporta como "oficial da Gestapo" e que "persegue os seus 15 minutos de fama". Fica magoada com o que se foi começando a escrever sobre si?
A inveja é a melhor terapia dos preguiçosos. A blogosfera diz tudo isso a meu respeito. Mas eu gostava de conhecer jornalistas que já tivessem abandonado bons tachos como eu tinha no Expresso; que já se tivessem demitido de revistas como a “Grande Reportagem”, após ter sido despedido o director [Joaquim Vieira] com o qual eu tinha sido convidada a trabalhar, que foi despedido por razões políticas e não jornalistas, e na sequência do qual me demiti, ficando um ano no desemprego. Estas são as minhas maiores glórias no exercício do jornalismo e não sei se muita gente as tem.

O protagonismo que ganhou é uma consequência inevitável das suas investigações ou admite ter sede de reconhecimento?
Do protagonismo que ganhei, só os outros podem falar. Continuo a fazer exactamente o mesmo tipo de trabalho, exactamente o mesmo tipo de investigação e, sobretudo, continuo a trabalhar, o que também não é muito frequente na nossa classe. E, como é do domínio público, sempre com temas muito difíceis de investigar.

É uma subversão de valores um jornalista desatar a dar entrevistas?
Estou farta de ouvir moralistas da nossa classe, isto é, falsos homens bons, defenderem essa tese para a subverterem no dia seguinte.

E usar uma investigação para a adaptar a uma série televisiva, como fez com "Ballet Rose"?
Não entendo como é que não se percebe a diferença entre uma coisa e outra: uma investigação é uma investigação; uma série televisiva é uma série televisiva. Ainda que, às vezes, em Portugal, não pareça, o trabalho jornalístico tem autoria. Estou cansada de ver trabalhos iniciados por mim e depois explorados por outros, como se os meus não tivessem existido: caso ‘Casa Pia’; caso ‘Madeleine’, nos últimos tempos; caso ‘Pinto da Costa’, com os últimos acontecimentos. A partir de seis meses, o jornal perde os direitos sobre o trabalho publicado. Portanto, passo a ter o direito em relação àquele trabalho. E esse trabalho passou a fazer parte da minha experiência de vida e eu uso-o como quiser: em livros, em ficções…

É muito frequente pedirem-me o seu contacto. Sente que as pessoas a vêem como uma justiceira?
Não. Sinto é que as pessoas verificam – e é esse o meu grande prazer enquanto jornalista – que os meus trabalhos têm resultados imediatos. E como as pessoas cada vez se sentem mais desprotegidas perante o nosso sistema de Justiça, posso dizer-lhe que alguém me entregou, há duas semanas, uma mala cheia de cassetes pedófilas e um saco com muito material pedófilo. Disse-me: "Eu prefiro falar consigo do que falar com a Polícia, porque tenho visto o resultado dos seus trabalhos". Por acaso, fiz questão de entregar, através da minha advogada, este material às autoridades, porque achei, como cidadã, que, às vezes, o trabalho jornalístico atrapalha casos que devem ser de resolução imediata. Como sou uma pessoa por natureza desconfiada, e com muita experiência, como é óbvio fiquei com cópias de tudo. Caso a justiça não seja feita, darei continuidade a este trabalho.

Alguma vez sentiu realmente medo durante a investigação do processo "Casa Pia"?
Nunca direi: “Nunca me deixo intimidar.”

O 'Expresso' tentou demovê-la da saída do semanário?
A única pessoa que tentou demover-me foi o doutor Francisco Pinto Balsemão, por quem continuo a ter muito respeito. Mas as mudanças, às vezes, são inevitáveis.

Por que razão saiu?
Não costumo falar mal, nem morder a mão que me deu pão.

As vendas do 'Sol' são um desapontamento para si?
A temperatura do sol está em bom caminho.

Que brinde ofereceria no 'Sol' se o 'Sol' oferecesse brindes?
Sou uma péssima rifa para muita gente, mas um excelente brinde para o “Sol”. O "Inimigo público" já chegou a sugerir ao semanário que fossem oferecidas ‘Felícias’ insufláveis. E eu concordo.

Que investigação gostaria de ter feito e perdeu para outro colega?
Geralmente, sou eu que atiro os foguetes; eles apanham as canas.

Como é que uma licenciada em Línguas e Literaturas Modernas vai parar ao jornalismo?
São acasos.

A profissão é uma obsessão?
Não sou uma pessoa com obsessões; sou uma pessoa normal. Uma pobre provinciana algarvia que, apenas, leva a sua profissão muito a sério. Como gostaria que os meus colegas de profissão o fizessem.

Em 2000, dividiu a autoria do programa "Sex-appeal" [apresentado por Elsa Raposo] com Júlia Pinheiro. Qual foi a sua motivação?
Gosto de variar e, sobretudo, gosto muito de me divertir. Foi um programa completamente inovador em Portugal, pedagógico e divertido. Foi várias vezes repetido em horários diferentes e já muito boa gente se inspirou nele.

Lembra-se da sua infância na Quarteira?
Foi uma infância muito feliz. Nasci ao pé do mar. Como diz o poeta Herberto Hélder: "Quem nasce ao pé do mar, é boa pessoa." Mas poucas pessoas pensam isso de mim. Hélas!

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