sexta-feira, junho 08, 2007

Pedro Abrunhosa


"O Porto está de joelhos e rasteja face ao poder"

Arde quando fala da política do Porto; é lacónico, quase rude, quando aborda as controvérsias que o envolvem; empolga-se quando projecta o seu futuro internacional. Ao telefone, após um dia de trabalho em Lisboa, Pedro Abrunhosa, 46 anos, destila durante 45 minutos o seu desapontamento em relação à cidade que, diz, nunca o viu tocar.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada no JN a 6 de Agosto de 2007]

Podemos acordar que tira os óculos durante a entrevista?

Não. Não tiro os óculos, nem ao telefone.

Pagou 20 euros a cada um dos arrumadores que aparecem no vídeo "Quem me leva os meus fantasmas". Não há aí um lado perverso?

Não sei se as contas são essas, mas poderá obter os números junto da produtora. As pessoas fazem um trabalho, são pagas por isso. Isso é perverso? Vão gastar dinheiro em cocaína, é isso? É melhor consegui-lo às escondidas?

Qual é um dos seus fantasmas?

A morte. Acha que as pessoas do Porto ainda esperam que lhes leve alguns fantasmas?Não percebo o ainda. Qualquer criador que nessa cidade faça o seu porto não tem como não levar os seus fantasmas, que são muitos.

Algemou-se ao Coliseu, mas manteve-se à margem do Rivoli. A privatização não foi motivo suficiente para contestar?

Estive na primeira manifestação e fiz uma pequena elocução pública frente ao Rivoli. Depois, remeti-me a uma posição, que é tentar lutar com consequência por uma política social, cultural, urbanística e económica do Porto. O Rivoli não pode ser destacado da má gestão camarária. Tem que ser inserido num projecto de cidade. No concerto de S. João, na Casa da Música, ofereceu um concerto grátis à cidade.

Quer provar o quê com isso?

A Câmara do Porto tem usado o argumento de que a cultura é cara. Comigo nunca gastou um tostão, nem eu quero. Há uma questão que é preciso que se saiba: eu já estive alinhado para um famoso festival rock, no Porto, e nunca toquei. Das duas vezes, foi perguntado pela Câmara à minha produção se eu iria dizer mal ou falar de política. Há uma pré-censura, uma censura e um clima de medo no Porto. Acho muita piada aos deputados do Porto do PSD que vão falar de medo na Assembleia da República quando no Porto o clima de medo é prático. Quem fala mal da Câmara é logo colocado no site pago por nós numa atitude persecutória absolutamente salazarenta. Toco gratuitamente desde que me forneçam um palco e uma tomada para eu ligar a energia. Essa pergunta não tem resposta. A pré-censura e a censura são evidentes na Câmara do porto. Se não há perseguição, ofereço o concerto. Só peço um palco e uma tomada para ligar energia.

Disse que a "cidade está de joelhos". Quer dizer rendida ou a rastejar?

Ponto número um: esta câmara tem legitimidade. Ponto número dois: a vereação não tem um projecto de cidade que coordene as vertentes pelas quais a cidade sempre se pautou: económica, cultural e social. Ao ter perdido competitividade do ponto de vista económico (o PIB está abaixo de alguns concelhos limítrofes de Lisboa), perdeu impacto no país e poderio político. Não há uma voz a Norte que faça frente quer à centralização deste Governo, quer à péssima gestão que esta câmara está a fazer dos bens públicos. Está de joelhos, rasteja face ao poder central, vive da esmola dele. Não se dá subsídios para a cultura mas há apoio à indústria, apoio ao comércio, não se vê, não se sabe onde está enterrado, não se sabe onde está a fiscalização, os prédios do centro estão devolutos a cair de podre. Quando se aliena o património cultural, como é o caso do Rivoli, piora, porque era o único equipamento onde poderia haver experimentação e abrir-se às escolas.

Essa ausência começa nos vereadores da Oposição?

Não há. O melhor exemplo é o da OTA que agora recuou, numa intervenção participada pela Associação de Comerciantes do Porto. É o único exemplo em que vi a cidade participar num debate público nacional. De resto, está completamente alheada.

Será que o Porto não tem palavra a dizer na construção do país?

Não tem. Este Porto, no qual não me reconheço hoje, não tem nada a dizer. Aliás, permite que se faça um traçado de TGV absolutamente errado, com as prioridades trocadas. Este governo foi hipotecar o futuro das próprias pessoas e bens pelo centro do país, onde estão concentradas a maior parte das indústrias, empresas e pessoas, para satisfazer uma saída a Sul que o Governo de Espanha impôs com uma condicionante só: desenvolvimento da Andaluzia. Não posso perdoar isto aos políticos do Porto, que não abriram a boca.

A nova postura de Cavaco Silva enquanto Presidente da República pode levá-lo a reconciliar-se com ele?

Não sei que nova postura é essa. Aquilo que registo com agrado é a adesão da figura do ex-primeiro-ministro a causas sociais que eu próprio advoguei há dez anos. Acho muita piada que um presidente que não tem poder decisório defina um roteiro para a exclusão social. É curioso. Onde estava ele quando foram despedido os funcionários da Pereira Roldão e pela qual nos manifestámos? O que mudou? A dor das pessoas? Foi o desemprego ou foi a pessoa em si que mudou? Foram os ideais sociais que avassalaram o senhor ou foi uma ambição desmedida de poder? Os roteiros são todos banais. Importante era que ele, enquanto primeiro-ministro, não tivesse hipotecado o país, construindo até o monstro, como ficou conhecido, que começou no seu reinado. Se há responsáveis pela exclusão social hoje são os governos dele. Agora, se ele se redimiu, acho bem.

Seria capaz de fazer o mesmo que Prince: oferecer o novo CD num jornal?

Se tivesse sido o primeiro a pensar nisso, seria. Não se parte o mesmo copo duas vezes.

Por que assassina as músicas do trabalho "Viagens", mesmo reconhecendo que muitas pessoas ainda vão aos concertos para as ouvir?

As pessoas querem ouvir a música por nostalgia, por amor àquilo que eram quando a ouviram. Há músicas que já não toco, porque o autor anda sempre um passo à frente, senão éramos todos autores e eu era o consumidor. Para a minha sanidade mental, preciso de evoluir.

Gostava de investir mais no formato Pedro e piano, só?

Já dei um concerto assim e já tenho outro marcado para o próximo ano, no Teatro S. Luiz, em Lisboa. É um certo regressar as origens que me dá muito prazer.

Se João Botelho o desafiasse a escrever a banda sonora para o filme que está a rodar, “Corrupção”, aceitava?

Com certeza. Não faço juízos de valores sobre os filmes, a menos que sejam pornográficos. Se o post scriptum for interessante, porque não?

A questão financeira foi a motivação para ter feito publicidade a um banco?

Isso é uma pergunta tão mesquinha, que nem devia responder. No dia em que as pessoas deixarem de roubar músicas na internet, talvez considere a hipótese de não voltar a fazer publicidade. O Tom Waits e o Leonard Cohen também fizeram. Não estou sozinho.

António Lobo Antunes, a quem dedica este trabalho, diz sentir-se um poeta falhado. Sente o mesmo?

Nem sequer isso me considero. Sou escritor de canções, coloco letras ao serviço de músicas.

Ofereceu-lhe o novo CD?

Com certeza, mas não pessoalmente. Temos uma relação por carta.

O que faz no fim dos concertos?

Vou embora. Muita gente vai para discotecas; em muitos anos de carreira acho que nunca fui. Já confessou que é caseiro.

O que faz um caseiro, por hipótese, num sábado à noite?

Tanta coisa. Pode fazer zapping, escrever músicas, pegar no carro e passear pelas ruas do Porto anónimo ou fazer amor loucamente até de manhã.

Houve uma altura em que se vestia de plumas e lantejoulas. Foi uma fase de um certo deslumbramento?

Foi uma fase de plumas e lantejoulas. Mais nada. Não podemos aparecer ao público como aparecemos em casa. É um desrespeito pelo público. E todos nós temos momentos mais barrocos e momentos de contenção.

O que leva aos alunos das escolas que visita? Escolas, bibliotecas, universidades, prisões...

Levo sobretudo os ouvidos para escutar, embora possa falar de política ou cidadania ou religião ou de qualquer outra coisa que me peçam. Prefiro isso do que andar em festas.

Sentiu-se traído pelas fãs quando uma delas escreveu um blog, alegando ter sido assediada por si?

A psicopatia anónima não me mexe na paz.

Mas isso alterou a relação que passou a ter com elas?

Vou repetir: é um caso de psicopatia anónima. Não alterou nada. Toda as figuras públicas são vítimas disso.

É um trovador?

De certa forma, mas tento cantar a realidade com os pés no chão.

Viaja muito por dentro?

Muito mais por dentro do que por fora. Sou um personagem que eu próprio desconheço. Gosto de viajar por mim, para me descobrir.

Revê-se no artista que foi James Brown, conhecido por "the hardest working man in showbizz"?

Isso dizia ele dele próprio. Revejo-me em todos aqueles que fazem esta profissão com a dignidade que sabem. A única palavra que sublinha o meu trabalho é sou uma: dignidade.

O Pedro está na playlist da Nelly Furtado. Ela vai passar a figurar na sua?

Vou, pelo menos, ouvir com mais atenção.

É conhecido em Portugal, mas não no estrangeiro. É um desgosto?

Repare que isso acontece com os políticos também. Portugal é um pátio. De qualquer forma, vou muitas vezes cantar fora e há muitas pessoas que me consideram o melhor autor de canções em todo o mundo. Shakira disse que sou um dos seus preferidos no Music Awards. Estou a crescer como intérprete e autor de canções para ter o meu lugar no panorama internacional do songwriting.

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