José António Barros
"Coliseu é aposta ganha pela população da cidade"
Dizem-lhe que é melómano e ele concorda. José António Barros tem "o defeito de abraçar desafios profissionais como causas pessoais". A Associação de Amigos do Coliseu do Porto, que preside há dez anos, é uma "paixão". E só essa paixão o poderia fazer mover-se a ponto de convencer o presidente Jorge Sampaio a fazer um jantar de angariação de fundos, onde reuniu todos os empresários do Norte; a convencer o então ministro do Planeamento, João Cravinho, a doar-lhe 350 mil contos para recuperar a sala depois do incêndio de 1996. Dez anos de batalhas compensam-se na frase de sempre: "O Coliseu é nosso".
(Entrevista de Helena Teixeira da Silva, publicada no Jornal de Notícias a 4 de Março de 2005)
O Coliseu mudou completamente a imagem que tinha há dez anos. O que foi essencial?
O Coliseu conseguiu muita coisa, porque houve uma grande mobilização da cidade à sua volta. Não surgiu em reacção a nada nem a ninguém. Foi a vontade da população. A marca "O Coliseu é nosso" não é um chavão, é uma realidade. As pessoas do Porto têm gosto em vir cá. Isso faz com que tenhamos a maior taxa de espectadores do país. A nossa frequência no ano passado foi de 250 mil espectadores.
Como explica essa adesão?
A diversidade de espectáculos abrange todo o mercado potencial nos vários segmentos de interesse cultural das pessoas: público jovem ou de idade, ou saudosista de meia idade. Não temos um público-alvo segmentado; temos toda a população da cidade. Os espectáculos do Tony Carreira já estão esgotados, mas a Nona Sinfonia de Beethoven, também está.
É o programa ecléctico que absolve o Coliseu da discussão pública sobre a direcção artística?
Acho que sim. Temos sobretudo uma preocupação com a qualidade. Não apresentamos coisas cuja qualidade consideramos estar abaixo de um nível desejável. A programação depende directamente da direcção e sobretudo de mim. Mas não sou remunerado. Aliás, só aceitei o cargo nessa condição. Hoje, tenho a Graça Barreto a trabalhar comigo, que é especializada em música. Mas antes disso, até as brochuras da ópera, a biografia dos compositores e a sinopse das obras era feita por mim. Optamos por reduzir e requalificar os funcionários.
Quanto tempo dedica ao Coliseu?
É impossível contabilizar, mas é muito. Isto é uma paixão [comove-se]. Venho cá uma vez por semana, mas quando estou na minha empresa recebo sempre telefonemas do Coliseu.
Considera o Coliseu uma sala de acolhimento?
Há uns dias, o Pedro Burmester disse, numa entrevista, que o Coliseu é uma sala de acolhimento. Não é. É, também, uma sala de acolhimento, mas tem produção própria - que isso fique bem claro. É a única casa no Porto que produz ópera. Integralmente.
A ausência de polémicas no Coliseu pode, por ironia, fazer com que pareça subestimado?
Acho que sim. Temos tendência para evidenciar o que corre mal; o que corre bem, não se fala. O Coliseu corre bem. E é preciso considerar que, sendo uma Associação público-privada, com fortes capitais do Estado, da Câmara e da Junta Metropolitana do Porto, não tem um tostão de subsídio.
Vive unicamente das receitas?
Vive completamente das receitas de bilheteira e do aluguer de sala. O Coliseu acolhe muitos espectáculos de produtoras nacionais reputadas, que estão nos circuitos internacionais, porque não podemos ir buscar artistas directamente aos EUA. Mas depois, há os espectáculos que os produtores têm menos apetência para realizar - música erudita, ópera, música sinfónica, circo -, e isso já é da nossa responsabilidade. Completamos essa falha de mercado porque, como temos boas receitas de cedência de sala, podemos investir num lado o que arrecadamos do outro.
Há dois anos, o Coliseu deparou-se com um problema financeiro, que o impedia de suportar as duas óperas anuais. Depois das críticas à Câmara, a questão ficou sanada?
As críticas não foram minhas. O Coliseu negociou há cinco anos um protocolo com o Ministério da Cultura (MC), no qual nos atribuiu 125 mil euros por cada grande ópera que produzíssemos.Tinhamos a expectativa que esse montante aumentasse à medida que provássemos a qualidade das produções, e que nos fosse permitido alargar para três por ano. A situação económica do país implicou um corte no orçamento do MC, não permitindo que isso acontecesse. Uma ópera custa 100 mil contos. A bilheteira, em três récitas esgotadas, rende 25 mil contos. Somando, temos 50 mil contos para pagar uma coisa que custa quase o dobro.
E o resto?
O resto tem sido suportado por patrocínios privados e na maior parte por prejuízos que o Coliseu encaixa. Vamos apresentar agora a "Flauta mágica", que custa 630 mil euros. Para a cobertura temos 250 mil euros. É complicado.
A Câmara devia comparticipar?
Devia apoiar, porque estamos no Porto, somos o único teatro de ópera da cidade, e a ópera é um espectáculo de grande público, não é de elites. Mas entendo que devia ser sobretudo o MC.
Como é que funciona a trilogia Coliseu/Orquestra do Porto/ Círculo Portuense de Ópera?
Há uma relação pessoal excelente entre nós. Reunimos todos os anos. Já temos a programação definida para os próximos três anos em termos de ópera.
Tem alguma expectativa em relação a este Governo?
Tenho expectativas ao nível do financiamento e da redistribuição. Tem havido sectores mais privilegiados que outros. E, geograficamente, a diferença entre Porto e Lisboa é gritante, e já é tempo de acabar com ela.
Frequência do Coliseu, no ano passado, foi de 250 mil espectadores
Se não acreditasse ser capaz de conduzir a Casa da Música ao sucesso, não teria aceite o convite para ser o primeiro presidente da Fundação. José António Barros confessa ter recebido o convite com "espanto", mas com igual "satisfação". O homem que, a partir de agora, irá conjugar a liderança da CM e do Coliseu defende uma articulação apertada entre as duas casas: "Juntas são mais do que o somatório das duas separadas", acredita.
Foi recentemente indigitado presidente da Fundação da Casa da Música (CM). Como recebeu o convite?
Com enorme espanto. Nunca levantei um dedo nesse sentido, mas fiquei satisfeito. Penso que o convite terá tido origem directa no presidente da Câmara, Rui Rio, que depois terá transmitido a sua opção à ministra da Cultura. Mas penso que tem origem, fundamentalmente, nos projectados fundadores privados da Fundação. É o mesmo grupo de pessoas a que estou ligado há muitos anos em Serralves e no Coliseu. Gira sempre à volta do BPI e do Artur Santos Silva.
O seu percurso tem sido pautado por uma enorme discrição, que acabará com a sua entrada na CM. Está preparado?
Vou evitar isso o mais possível. E uma das condições que coloquei, é não abdicar do Coliseu. Estou disponível para, a prazo, abdicar completamente de toda a minha vida profissional de 40 anos, e dedicar-me em exclusivo às instituições culturais. Mas deixar o Coliseu está fora de questão.
Mas é conciliável?
Totalmente. A CM não vai desalojar o Coliseu; vai complementá-lo. Articulando os dois espaços, potencia-se o efeito. É uma soma de valor acrescentado. Juntos são mais do que o somatório dos dois separados. A CM tem um auditório relativamente pequeno, com mil e tal lugares. Aí, a rentabilidade de alguns acontecimentos é discutível. Mas nada impede a CM de contratar um artista, que depois apresentará dois espectáculos em dias consecutivos: um no Coliseu, outro na CM. O espectáculo passa a ter quatro mil e tal lugares de receita.
As salas têm que ser rentáveis?
Lucro, nem pensar. Mas a área educativa tem que ser subsidiada pelo Estado. É uma função que lhe compete. Nessa vertente, assim como na vertente dos agrupamentos residentes, a CM tem que ser apoiada. Na vertente de apresentação e produção de espectáculos, as pessoas têm que ter o bom senso de fazer aquilo que é, pelo menos, possível de equilibrar em termos de custo/benefício. Não podemos continuar na eterna dependência do 'papá Estado' para subsidiar os nossos devaneios. Nada pode ser gerido só artisticamente sem pensar que tudo tem um preço.
Entende que a CM deve produzir e apresentar ópera?
Não tem condições. Não tem teia de palco, não tem possibilidade de usar cenários convencionais. Pode usar novas tecnologias, mas eu viajo bastante para ver ópera e não vejo no Metropolitan, no Scala ou no Garnier óperas virtuais; vejo óperas convencionais, com cenários. De vez em quando, tem graça apresentar uma ópera moderna - sou a favor disso -, mas não é isso que sustenta uma temporada de ópera e não é isso que o público deseja. A CM também não tem fosso de orquestra, logo não tem condições para fazer obras de repertório. Terá que articular esse aspecto com o Coliseu.
A ausência do fosso de orquestra pode ter sido um esquecimento?
Não admito que tenha sido um esquecimento. As pessoas que estavam à frente da CM são inteligentes. Foi uma opção.
Partilha a reserva de Couto dos Santos, anterior presidente do Conselho de Administração, quanto à existência do Estúdio de Ópera na CM?
Não havendo a possibilidade ou a opção de fazer ópera na Casa da Música, não faz nenhum sentido haver um Estúdio de Ópera.
Mas é um dos projectos mais arrojados da Casa da Música...
Não é. O projecto mais arrojado, inteligente e interessante é a área educativa. Isso é que faz a diferença e justifica a CM. É o que nós precisamos e não temos. O Remix Ensemble faz sentido, porque é um agrupamento interessantíssimo, já com uma qualidade notável. E faz igualmente sentido a integração da Orquestra do Porto na CM. A Casa terá uma vertente dos agrupamentos, que serão a Orquestra, o Remix e o projecto educacional. Depois, será uma sala de apresentação de espectáculos como o Coliseu do Porto.
Defende a integração da Orquestra em que moldes?
Não deve manter a autonomia, mas ser parte integrante da CM. Os músicos da Orquestra, alguns verdadeiramente bons, podem dar aulas, cursos e 'masterclasses' na própria Casa da Música.
A Casa da Música pode vir a ser uma paixão como é o Coliseu?
Tenho o mau feitio de abraçar os desafios profissionais como causas quase pessoais. Isto tem defeitos porque há uma personalização da gestão da direcção, mas tem a vantagem do empenho e dedicação da pessoa. Se ficar à frente da Casa da Música, vou fazer o mesmo esforço que fiz no Coliseu. Se vou conseguir ou não, não sei. Mas estou convencido que tenho possibilidades de ser bem sucedido, senão não tinha aceite.
A sucessão de polémicas que tem perseguido a Casa da Música explica a desmotivação dos empresários para ali investir?
Não. A CM é um equipamento de tal visibilidade e importância, que vai haver uma grande apetência das empresas para patrocinarem a Casa da Música, determinados ciclos ou áreas musicais. Este passado menos pacífico não terá influência. As pessoas rapidamente vão esquecer estas pequenas querelas, que foram excessivamente fulanizadas. O que interessa é o projecto. Não interessa criticar o que falta; interessa pegar no que existe e que é muito bom.
Gostaria de contar com a colaboração de Pedro Burmester?
Águas passadas não movem moinhos. Neste momento, não posso dizer mais nada. Eu ainda não sou nada. Não fui nomeado; fui apenas convidado, e aceitei o convite. Sei que comigo estará Nuno Azevedo, a Cristina Amorim, Fernando Guedes e Ferreira de Oliveira. É o que eu sei. Como vamos gerir, como é que, entre nós, vamos repartir funções, o que é que cada um vai fazer, não lhe sei ainda dizer.
Mas aceita que, a um mês da abertura da CM, as pessoas que se mobilizaram para defender o Coliseu serão, provavelmente, as mesmas que gostariam de assistir ao regresso do pianista?
Repito: não tenho nenhum 'parti pris' sobre essa questão. Não sou contra nem a favor.
Aprova o recrutamento de um director artístico estrangeiro?
Não conheço o quadro em que isso aconteceu, não conheço o Anthony Withworth-Jones, não conheço os seus méritos, as suas competências, nem sequer tenho informação sobre o seu currículo, portanto não me posso pronunciar. À partida, não reprovo. Não vejo que seja um disparate ir buscar um director de fora. Mas também não vejo que seja essencial.O projecto mais interessante e arrojado da Casa da Música é a área educativa
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