domingo, agosto 26, 2007

Miguel Veiga


"É provável que venha a ter o nome numa travessa da Foz"

Ele preferia sardinhas. Por cortesia, aceitou partilhar uma maionese de pescada, numa esplanada dessa Foz, que é a sua casa. Miguel Veiga, 71 anos, respondeu às perguntas em 27 minutos, desafiando a síntese que não possui. O telemóvel tocou cinco vezes: tudo jornalistas à procura de respostas para o PSD. O histórico do partido nunca foi elegível, mas é sempre o primeiro a ser ouvido.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada na série "Farpas" do JN a 19 de Julho de 2007]

Alguma vez meteu uma cunha por alguém?
Cunha não, porque é um nome feio e pesado. Mas empenho, sim.

Tem muitos pedidos de empenho?
Tenho muitos e muitas vezes me empenho.

É um jogador?
Sou um jogador moderado e controlado.

Costuma ir ao Casino?
Vou lá algumas vezes; não muitas. Sou um jogador a prazo certo. Passado meia hora, esteja a ganhar ou a perder, fico saturado e venho-me embora.

As conversas com Artur Santos Silva, que trata por irmão, versam sobre os desígnios nacionais ou sobre coisas de rapazes?
Rimo-nos muito. Muitas vezes de coisas proibidas e desvairadas. Embora, eu seja sempre o agente provocador, porque ele é um vitoriano por compostura.

Mas ele é um bom receptor das suas provocações?
É melhor receptor do que emissor. Divertimo-nos muito. Nessa distribuição de encargos, ele deixa os desvarios e as derivas para mim. Sempre com o intuito de que eu o recompense. E recompenso-o. O meu último gesto, que foi a maior alegria da vida dele, foi nomeá-lo meu gestor de conta [risos].

Como é ter uma neta sem ter filhos?
A minha neta Leonor, filha do meu enteado Nuno, é a menina dos meus olhos. É o meu deslumbramento. É uma luz nova, surpreendente e encantadora, com que ilumino os meus dias. Foi a primeira e, certamente, a última mulher que me fez abandonar mais cedo o escritório, de onde regresso, habitualmente, às 21.30. Muitas vezes, às 19.30 horas, já tenho tantas saudades dela que tenho de ir apressadamente para casa.

A sua experiência diz-lhe que as mulheres se apaixonam mais pelo cérebro ou pela aparência masculina?
As mulheres começam a apaixonar-se pela cabeça dos homens, mas são suficientemente lúcidas para depois descerem pelo corpo abaixo.

A paixão de Primavera é igual à de Outono?
O coração bate exactamente da mesma maneira. As pulsões do coração são exactamente as mesmas. O corpo é que, de vez em quando, não a acompanha tanto.

No Brasil, há uma nova moda, chamada “dogging”, que envolve a prática de actos sexuais em locais públicos. Parece-lhe razoável?
Definitivamente, não. Peremptoriamente, não. Não sou moralista, nem sou um homem de virtudes, mas há excessos que sinto como completamente revoltantes. E esse tipo de jogo é completamente execrável. Até porque acredito no jogo da sedução, do desejo, do encontro. E os encontros não se fazem dessa maneira.

Escreveu: “A verdade do desejo é a única que não mente”. Ainda cede ou resiste?
Resisto a tudo, salvo à tentação do desejo.

Desejava ter o seu nome numa rua do Porto?
Desde que fosse um lugar como a Foz, a que estou enraizadamente ligado, porque não? Embora, passasse a ser um nome como tantos outros; apenas o nome de um endereço. As pessoas depois esquecem.

Sente que, mais cedo ou mais tarde, acabará por tê-lo?
É provável. Se continuarem a construir-se tantas edificações na Foz, é possível que ainda sobre alguma travessa para mim.

Como descobriu o Minho?
Há muitos anos, a Belicha [mulher] queria muito uma casa de campo. Sempre fui refractário militante ao campo. E dizia sempre, abonando-me com Baudelaire, que “o campo é um legume santificado”. Um dia, um grande amigo, José Rodrigues [escultor], que tem o célebre convento Sampaio no cimo de Cerveira, quis levar-me para junto dele. Andou a procurar uma casa e encontrou. Um dia, convidou-me para almoçar e, à falsa fé, depois de almoço, disse: “Vou mostrar-te uma vista bonita”. Foi o ‘coup de foudre’. É uma casa de pedra, que tem a qualidade de não pretender ser mais nada senão uma casa de pedra, o que é raro no Minho, que é cheio de rodriguinhos. Olhei para o rio ondulado, para aquela espécie de neblina de evaporação que sobe e dá uma outra cor e visão às coisas, uma espécie de nuvens. E disse: “Isto é a casa das nuvens”. Apaixonei-me e registei-a. A casa é minha.

Sente a pressão do tempo?
Não se deve dar o tempo ao tempo, porque ele aproveita-se.

Aceitaria ser advogado de um dos arguidos do caso ‘Apito Dourado’?
Não teria preconceitos. Mas é um mundo que desconheço, ao qual não pertenço e que não me atrai. Receio bem que, se aceitasse, não seria um bom advogado.

Enquanto líder do PSD, Luís Marques Mendes nunca o convenceu. Em que falhou?
Marques Mendes revelou grande coragem política, grande rigor, grande correcção, grande capacidade de trabalho e, sobretudo, uma probidade digna dos maiores elogios. É fiel à célebre máxima de Francisco Sá Carneiro: “A política sem ética é uma vergonha”. São atributos e qualidades que ninguém lhe poderá negar. Acontece que não conseguiu dar um élan revitalizador a um partido que recebeu desfalcado, fragilizado, despedaçado e desertificado. E foi co-responsável, em certa medida, pelo preenchimento de lugares do aparelho partidário, constituído por inanidades, por irrelevâncias, quando não por inépcias. Tudo numa apagada tristeza. Ora, o partido não pode viver só de uma liderança; mas de um colectivo. A força de um partido é o seu colectivo. É esse que está absolutamente anémico. Por outro lado, falta-lhe também, um certo carisma, que é necessário a qualquer liderança. É deste balanço que faço o meu juízo sobre Marques Mendes, pessoa, aliás, que estimo e de quem sou amigo.

Quais as características imprescindíveis do futuro líder?
A primeira é ter a capacidade e a convicção de fazer regressar ao partido toda a massa crítica que dele está afastada, para conseguir revitalizar o colectivo do partido. A segunda é ter, como já disse, aquilo que se chama um determinado carisma; o poder de convicção e sedução que faz atrair o eleitorado e que faz com que esses e os militantes do partido entreguem a sua confiança ao líder de maneira a torná-lo credível. E para que, ao mesmo tempo, através desse processo de osmose, o líder possa apresentar-se como fiável. A terceira é uma forte convicção ideológica no sentido de o partido atingir o seu desígnio político, que é o exercício da social-democracia. Ou seja, um líder que quando age é um homem de pensamento e quando pensa um homem de acção.

Rui Rio seria esse homem?
O doutor Rui Rio tem muitos dos atributos que enunciei.

Uma vez que ele declinou a hipótese, apoiará José Pedro Aguiar Branco?
Não sei quem se vai apresentar. Estou muito próximo do José Pedro Aguiar Branco por razões de amizade, de antiga camaradagem política e por afinidades electivas - electivas de convicções e ideários. E reconheço-lhe, fora disso, muitíssimas capacidades. Hoje, dentro do leque disponível, é, sem dúvida nenhuma, a personalidade de quem me sinto mais próximo.

E se Manuela Ferreira Leite decidir candidatar-se?
Seria uma grande candidata! Não tenho dúvidas nenhumas. Mas, até agora, não se sabe se ela o vai fazer. Sei uma coisa, pelo que li nos jornais: se ela avançar, o Aguiar Branco não correrá contra ela. Dizendo isto, estou a dizer tudo.

Há um PSD do Norte e outro do Sul?
Isso é uma distinção que vem de longe, do tempo do Francisco Sá Carneiro. Não sei se hoje fará tanto sentido. Não sei se nestes tempos de globalização, mesmo interna, pode haver essa destrinça. Pode haver - e acredito que as haja - distinções entre os nortenhos e os sulistas. Pode haver distinções de concepções de vida, temperamentos, reacções. Admito que isso também possa reflectir-se no exercício da acção política, mas como consequência de um fenómeno mais largo e não restrito ao PSD, como se houvesse dois blocos.

Sente-se bem nesse papel de histórico do partido, uma espécie de barão?
Barão, nunca fui de nada, até porque sou visceralmente republicano. Sou um histórico, apenas, por ter sido um dos 14 fundadores do PSD. Estou ligado à história, à criação do partido, àqueles que lançaram as suas bases programáticas, e fizeram a sua implantação, a sua divulgação, etc. Histórico, também, se houver o sentido de continuidade na História - o que duvido - como um sentido de permanência e fidelidade às minhas convicções sociais democratas. Num sentido mais subjectivo, sempre sustentei que a História, mais do que uma continuidade, é uma impaciência. E acrescento: a tradição, tal como as mulheres, têm que ser simultaneamente respeitadas e inquietadas.

O PSD tem uma longa travessia do deserto para cumprir?
Para já, o horizonte não é muito claro, nem muito benéfico. Os ventos e as marés não sopram de feição. Mas o PSD não perde a esperança, porque é um partido de poder. O poder, para ele, é a terra prometida. [Esta foi muito boa, não foi?]

Marcadores: , ,