Miguel Sousa Tavares
"Dá-me imenso prazer ser lido por benfiquistas"
Chegou atrasado ao lançamento do livro de um amigo, no Porto. Miguel Sousa Tavares, escritor consagrado ao primeiro romance, aceitou responder à entrevista no fim da apresentação. No jardim, para poder fumar. Em 10 minutos e oito segundos resume tudo: "Choro para dentro".
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva, publicada na série "Farpas" do JN, a 15 de Julho de 2007]
Já alguém leu o seu novo romance?
Já. Os editores e a minha mulher.
A sua mulher é sempre o seu teste?
É normal. Embora ela não tenha lido todo, só algumas partes.
Não é meio presunçoso dizer que será a sua consagração como escritor?
Mas eu disse isso? Não.
A citação, pelo menos, foi-lhe atribuída...
O que eu disse é que será a minha consagração ou o meu enterro.
Disse que gostava de ver o 'Equador' adaptado ao cinema. Ficar pela série televisiva não é ficar a meio do caminho?
Não. Eu tenho cinco propostas para cinema, só que ainda não se concretizou nenhuma. Há a hipótese de o filme poder ser feito lá fora. Estou à espera da tradução inglesa, que está com um ano de atraso.
Dá palpites sobre os actores que quer ver na série?
Contratualmente não posso, mas dou palpites. E posso dizer, em segredo, que já recebi muitas cunhas de actores e de actrizes.
Nos cafés ou na praia, costumava reparar em quem lia o livro?
Reparava porque, modéstia à parte, havia muita a gente a lê-lo, sobretudo na praia. A cena mais engraçada é um casal na praia a ler o livro ao mesmo tempo e a discutir o final. Não perceberam que eu estava atrás deles e cada um tinha a sua interpretação.
É a potencial leitura deste Verão?
Não. Só sai Outubro.
Aparentemente, a acusação de plágio não provocou grandes danos na opinião pública, que o defendeu. E em si?
Estou à espera que a polícia judiciária consiga identificar o anónimo que fez a acusação. Eu tenho desconfianças, mas isso não serve de prova. O problema é que o servidor que ele utilizou está sediado nos Estados Unidos e já foi pedido a um Tribunal americano que indique o nome dele, mas é complicado os americanos dizerem que sim. Em relação à opinião pública, n ão é verdade isso que diz. Nos meus leitores não teve grande repercussão; a nível da inveja nacional, teve, como é óbvio. E sobretudo a nível de alguma imprensa, e de onde eu menos esperava, do jornal Público onde trabalhei 12 anos. O jornal agarrou aquilo como uma reacção de inveja do tipo. "Vamos tentar destruir isto".
Gosta no novo Público?
Não. Detesto. Deram cabo do jornal. Ainda bem que saí de lá antes.
Ganhou aversão à internet?
Não. O meu novo livro tem muita investigação graças à Internet, que também uso para jogar Bridge, quando estou cansado. E uso quando tenho muitas saudades de terras de que gosto: Rio de Janeiro, Veneza. Para sites de conversa não tenho paciência. Aliás, acho que as pessoas falam de mais em Portugal.
Há um blogue de um admirador que se dedica exclusivamente a reproduzir as suas crónicas na 'Bola'. Já teve algum fã psicopata?
Não conheço esse blogue. Mas já tive algumas fãs psicopatas, sim. Mulheres. Tipo, aquele filme horrível, 'Atracção fatal'. Perseguiam-me de automóvel, faziam-me esperas nos sítios mais inesperados, às horas mais incríveis. Um coisa tenebrosa.
O que sente uma pessoa que sabe que no dia em que publica a crónica na "Bola", o jornal vende mais dez mil exemplares?
Sinto que quando isso não acontecer tenho que deixar de escrever. Sou muito bem pago para escrever, e devo esses índices aos meus leitores, que têm direito a esperar coisas de mim. Às vezes, acho que não devia escrever ,porque não me sinto em forma. E tenho pena que o contrato implique escrever todas as semanas, porque gostava de dar sempre o melhor e, às vezes, não acontece.
Escrever na 'Bola' é uma espécie de provocação? Dá-lhe prazer pensar que são sobretudo os benfiquistas que o lêem?
Imenso prazer. Enfiei uma bandeira azul e branca no castelo benfiquista e é muito estimada.
O seu fanatismo pelo FCP é mesmo incontrolável ou já faz parte de uma certa imagem que criou?
Antes de eu ser figura pública, o meu fanatismo pelo Porto era 20 vezes pior. Chorava e vomitava a ver o Porto jogar de nervos.
É perigoso ver um jogo de futebol ao seu lado?
Não, hoje em dia fico paralisado. Já vi o Porto ganhar tanto que já me habituei.
E se o Porto estiver a perder?
Em casa não é perigoso; no estádio, sim.
Tem alguma expectativa em relação ao filme de João Botelho?
Ainda não é desta que ele vai fazer um filme capaz.
Diz que odeia fazer palestras, conferências, simpósios e que não o faz a não ser a troco de dinheiro. Mas faz apresentação de livros. A troco de quê?
A troco de nada. Faço isso por amigos. Mas também não gosto de fazer.
E escreve prefácios, alguns improváveis. O que é que o autor tem de ter para o caucionar?
Tenho que gostar da obra e admirar a pessoa. Mas já tenho dito que não a amigos. O prefácio mais improvável que eu fiz foi do João Garcia, o alpinista, que não conhecia de lado nenhum. Ele tinha acabado de ter o acidente no Evereste e apareceu lá em minha casa sem a ponta dos dedos, sem a ponta do nariz a dizer que eu era a pessoa que ele queria para escrever o prefácio. E eu fiz e gostei imenso.
No livro da actriz Maitê Proença, "Entre ossos e a escrita", diz ter descoberto que, "afinal, as mulheres também choram". Foi um alívio?
Foi. Bem-vindas ao mundo dos seres humanos.
E a si, o que o faz chorar?
Muita coisa. Mas, basicamente, choro para dentro.
Marcadores: Farpas, Jornalismo, literatura, Miguel Sousa Tavares
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