quinta-feira, setembro 13, 2007

Francisco José Viegas



"PSD tem más digestões e até disfunção eréctil"

É talvez o homem que vive mais de perto de Fernando Pessoa. Francisco José Viegas, 45 anos, toma-lhe conta da casa, em Lisboa. E aos livros e pertences do poeta vai adicionando vida, conversas, amigos. Num intervalo desse turbilhão, o escritor e jornalista, apreciador de vinhos e charutos e viagens, respondeu, por mail, às perguntas que considerou "divertidas".
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 4 de Agosto na série Farpas do Jornal de Notícias]

Já recuperou o computador que lhe roubaram em Julho no aeroporto de Maiquetía [Venezuela]?
Os computadores nunca se recuperam. Comprei outro e, agora que não é preciso, faço back-ups todas as semanas.

Qual foi a primeira coisa que o preocupou ter perdido: os apontamentos do seu novo romance de que não tinha 'back-up' ou a imediata confiança dos venezuelanos?
O que tinha lá escrito. Os venezuelanos são gente muito boa.

O seu desassossego com a tentação autoritária da Venezuela de Chavéz é ético e que mais?
Gastronómico. Tenho medo que ele queira uma alimentação socialista. Na Venezuela come-se maravilhosamente em restaurantes anti-chavistas. A "boliburguesia" chavista já descobriu os "amuse-bouche" e passa o tempo em Miami a aplicar o dinheiro do "socialismo do século XXI". Sabe qual é o problema? É que, daqui a uns anos, quando Chávez esticar o pernil, o dinheiro do petróleo ainda não chegou aos pobres.

Levou a sério Saramago na fatalidade de termos que nos integrar em Espanha?
Não. A realidade ultrapassa-o. De resto, hoje, um dos desportos favoritos dos portugueses chama-se "tiro no Saramago". Já foi tempo. Agora não dá gozo.

Diz que o PSD de hoje está reduzido a uma sala de espera. De que especialidade médica concretamente?
Devia ser apenas ortopedia mas, infelizmente, trata-se de um complexo problema de clínica geral: desde más-digestões a disfunção eréctil. É uma pena, porque o PSD merecia mais. Ideias, por exemplo.

Pacheco Pereira respondeu-lhe quando disse [a propósito da crise do PSD] que ele escrevia em rongorongo?
Há mais incertezas sobre a terra do que Pacheco Pereira e eu próprio alguma vez poderemos imaginar. A diferença é que ele foi maoísta e tem mais anos disto.

Está completamente esclarecido no caso da DREN ou espera pela passagem da 'silly season'?
Acho que é fácil estar esclarecido sobre o assunto: são ressentimentos. Tudo gente ressentida, que é o maior problema português. A Dra. Margarida Moreira é só um peão, não tem muita importância. E o Prof. Charrua não é um herói da liberdade de expressão. Heróis são aqueles que levantaram a voz por causa do assunto.

Em qual das manas Salgado acredita?
Na Sra. D. Ana Salgado. Evidentemente. Gosto de espectáculo até ao fim.

Qual o escritor português perfeito para o relato policiário total deste caso?
Apesar de ser amigo dela, de certeza que não será a Leonor Pinhão.

Do que tem mais saudades de ser director: da Ler ou da Gazeta dos Desportos?
Da Ler. Era uma grande revista.

O que faz quando está sozinho na Casa Fernando Pessoa e tem por ali por perto os objectos d'Ele?
Não faço nada, passo ao largo por causa do alarme. Mas gostava de baralhá-los ou de trocar as legendas das vitrines.

"Longe de Manaus" é o seu "Livro do desassossego"?
É o meu livro mais recente, aquele que mais custou a escrever, aquele que me deu mais prazer pessoal.

É uma maldição os escritores escreverem-se sempre a si próprios?
Não. É resultado da preguiça, do excesso de literatura, e da falta de talento.

O dinheiro ganho com prémios de livros, como o da APE, deve ser gasto de que forma especial?
Estourá-lo. Gastá-lo. Esmifrá-lo. Não dar troco. Vingar-se dos impostos pagos. Viajar. Comprar discos. Comprar champanhe. Guardar um nadinha para qualquer coisa.

Espera um bom campeonato para o FC Porto?
Se for igual ao deste ano não me queixo; é quanto basta. Mas podiam avisar.

Ter bebido "99 cervejas + 1" levou-o a descobrir o quê?
Que é difícil fazer uma cerveja má (mas consegue-se). Que há sempre uma cerveja desconhecida à nossa espera. Que ainda há coisas maravilhosas para beber.

Segundo os seus apontamentos, há cada vez mais mulheres portuguesas a beber cerveja. Como vê o prolongamento dessa libertação?
Vejo muito bem. Um grão na asa é sempre bem vindo em qualquer circunstância. Em loiras, ruivas ou morenas.

Por que é que embirra com as pessoas que usam os óculos de sol como bandolete a partir das 8 da noite?
Porque é piroso e essas pessoas são pirosas.

Não gosta de todo de grafitis ou não gosta só dos que vê em Lisboa?
Não gosto de grafitis. De nenhuns. Sou pelas cidades limpas, pelas paredes limpas, pelos jardins arranjados e pela confiscação dos sprays de tinta. E deviam obrigar os meninos a pagar a limpeza das paredes.

Preferia ir de férias com Nero Wolfe e Archie Goodwin [investigadores de Rex Stout] ou com os seus PJ's Jaime Ramos e Filipe Castanheira?
Com os meus, para ver que soluções arranjo para o livro que estou a escrever.

Com que figura ficcional precisava hoje de conversar?
Com a Sra. Condessa de Gouvarinho, de "Os Maias", que era uma senhora muito apetecível, devassa, e falava pouco.

No paraíso há livros?
Há muitos livros. E espreguiçadeiras, máquinas de imperial, vinho branco, praias, horas de sesta, ostras, champanhe gelado, clones de Luana Piovani e de Monica Belucci, charutos (Ramon Allones, churchill), sessões non-stop de CSI Las Vegas, filmes de Felini e de Howard Hawks, e cigarrilhas para dividir com o Manuel António Pina.

O paraíso de um escritor é o mesmo que de um jornalista?
Não. O paraíso de um escritor é não ter que escrever. O pesadelo de um jornalista é proibirem-no de escrever.

É no seu blog [http://origemdasespecies.blogspot.com/] que continua a fazer jornalismo: compilatório, vigilante, denunciador. Nasce-se assim ou são os outros que nos fazem ser desse modo?
Às vezes é embirração mesmo. O problema é que uma pessoa gosta do seu país, quer que ele seja melhor, e tem aquele fantástico defeito de todos os portugueses – opiniões sobre tudo.

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