sexta-feira, agosto 31, 2007

Mário Cláudio

"O Porto está desmoralizado e isso é desmoralizador"

Homem do Porto e dos poucos que, em Portugal, passeia pelos géneros literários todos, da mais irreal ficção à mais leal biografia. Mário Cláudio, 66 anos, responde à entrevista por telefone, ao fim da tarde. Abdicará de qualquer afirmação, menos de uma: aquela em que elogia Miguel Sousa Tavares.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 31 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Qual é a sua expectativa política para a rentrée?
Vamos continuar a assistir ao crescimento do prestígio do presidente da República e à progressiva degradação do Governo que temos.

Portugal está cada vez mais perigosamente perto dos países da América Latina?
Gostaria de lhe dizer que não - mas não posso. Só o facto de fazer a pergunta já significa algo de muito triste para todos nós.

O Porto é cidade desmoralizada ou desmoralizadora?
Neste momento, é exactamente as duas. Desmoralizada, porque está sem alma. Desmoralizadora porque as expectativas, a curto prazo, da recuperação dessa alma parecem-me pouco prováveis.

Amanhã, há a expectativa de que a cidade receba 600 mil pessoas para assistir à Red Bull Air Race. Deixa seduzir-se por estas manifestações?
De maneira nenhuma. Mais uma vez, estamos perante uma declinação do fenómeno circo, que é sempre uma das grandes armas que o Poder utiliza para tapar qualquer outro protesto que possa afectá-lo. Manifestações dessas - eloquentes mas vazias - só servem para aumentar o fosso entre o que é a cultura e o espectáculo.

Ser actor político é uma ideia que o cativa?
Seria num país diferente; neste não.

Não se imagina, portanto, como vereador da cultura?
De forma nenhuma. Sentir-me-ia de certeza muito frustrado. Seria um homem de cultura num meio absolutamente anticultural.

Alguém que gosta tanto de cães, de que forma castigaria os portugueses no ano em que mais abandonaram animais de estimação?
Abandonava-os. Quem abandona um cão é capaz de abandonar uma pessoa. Manifesta profundo desprezo pela vida e por si próprio.

Um escritor é um exilado?
Tem que ser. Se não tiver esse estatuto, perderá o privilégio do escritor, que é reflectir sobre um todo do qual se sente dissociado.

É tão barroco na sua vida como é na escrita?
Absolutamente. As pessoas mais próximas queixam-se disso. Procuro corrigir na medida em que isso as possa magoar. Mas é, sem dúvida, uma característica da minha natureza que não abandono.

De que figura, também distinguida com o Prémio Pessoa, se sente mais próximo?
De todos. Mesmo daqueles com os quais não coincido no gosto ou nas opções ideológicas. Não é disso que se trata. Trata-se de celebrar a harmonia de pessoas que, vivendo neste país, são capazes de o transformar em algo melhor.

A facilidade que existe hoje em publicar o que quer que seja traz pessoas para a literatura ou pode irremediavelmente afastá-las?
Traz pessoas para a compra do livro, o que é diferente. A inflação da escrita, muitas vezes irresponsável e vazia, poderá contaminar as pessoas e levá-las a pensar que a literatura é uma actividade como outra qualquer - e não é.

Muitos dos seus antigos alunos continuam a tratá-lo por professor. Como gere essa relação?
Não gosto de ser colocado no púlpito; sinceramente, gosto de estar de igual para igual. Não me agrada nada que me atribuam uma distinção de tratamento quando a relação já é de afectos.

Afirmou numa entrevista a Miguel Sousa Tavares que "não há passado; apenas presente, porque no presente tudo se cristaliza". Faz 'delete" a tudo o que já passou?
Pelo contrário. Recupero o passado como presente. Mas fico satisfeito que tenha referido o Miguel Sousa Tavares. Quero dizer que é um grande jornalista, um escritor esplêndido e um homem que nos dá uma grande lição de coragem ao colocar-se de fora do que é a vida literária portuguesa.

Isso é uma resposta a Baptista Bastos, que disse que ele "não existe como escritor"?
Não. Tenho por ambos um afecto muito grande e não quero estar no meio de uma disputa que haja entre os dois. São duas personalidades sedutoras, prestigiantes e prestigiadas.

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quinta-feira, agosto 30, 2007

Ana Gomes


"Uso o que for preciso no confronto diplomático"


Passou de estimada embaixadora de Portugal em Jacarta a voz aparentemente inconveniente dentro do Partido Socialista. Ana Gomes, 53 anos, eurodeputada, é uma mulher sem medo. E sem papas na língua. À entrevista combinada por telefone, responde por mail, num intervalo da sua agenda em Bruxelas.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 30 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Há quem agora a veja como uma "incontinente verbal". Foi a Ana Gomes que mudou ou os outros que mudaram?
Só mudou o registo em que passei a exercer o direito de opinar da diplomacia para a política era inevitável ser acusada de "incontinência" por gente constrangida pelas piores razões....Quem se sentir "molhado", que se mude...

Vê-se como a última mulher da extrema-esquerda em Portugal?
Realmente, nunca fui de extremos, nem mesmo no MRPP, onde alguns me acusavam de ser "burguesa"... Sou até cada vez mais mediana uma entre muitas mulheres, de Direita, Centro ou Esquerda, sem medo de dizer o que pensa e passar à acção.

Às vezes, sente-se a 'tonta' do PS ou é só mulher sem medo?
O medo controlo-o, para que não me impeça de fazer o que há a fazer. A "tontaria", trato de destilá-la sobre quem julga tolher-me com grosserias...

Declarou-se contra a Ota. Sinal de lucidez ou senilidade partidária?
Contra não me declarei. Mas cheia de dúvidas sim, esperando que a decisão seja tomada na base de estudos que demonstrem qual é a melhor localização e o mais sustentável projecto.

O financiamento dos partidos é a forma mais visível de corrupção em Portugal?
Além das formas visíveis, preocupam-me as invisíveis. Nos partidos e não só a corrupção é o pior cancro da democracia.

O PS é mais impoluto agora ou quando estava na Oposição?
Estou convencida de que Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso foram politicamente "assassinados" pela "inconveniência" do seu empenho de sanear e despoluir. Dentro e fora do PS.

Sócrates é o último bastião da liberdade de expressão?
Não faltarão bastiões, até graças à vacina da censura salazarista. E a blogosfera é uma arma poderosa, embora de dois gumes...

Costuma falar com ele?
Sempre que necessário e sem dificuldades.

Qual foi melhor primeiro-ministro António Guterres ou José Sócrates?
É cedo para fazer o balanço. Têm diferentes pontos fortes e fracos.

O Governo pretende que, no próximo ano, a taxa de emprego das mulheres seja de 63%, evoluindo até 2008 mais do triplo do que até 2004 [61,7%]. É uma meta concretizável?
Sim. Mas é fundamental que se concretizem também estruturas de apoio (creches, horários flexíveis, etc..). e se combata a discriminação salarial que atinge a maior parte das mulheres que trabalham.

Nos últimos 30 anos, só 6% das mulheres tiveram cargos no Governo. Sinal de uma democracia imberbe ou lenta?
Sinal de democracia incompleta, desperdiçadora de talentos e de competências.

A esta distância, como vê o volte-face em Timor?
Previsível, natural e constitucional, embora doloroso. Espero, também, que salutar para a construção democrática.

A experiência diz-lhe que os diplomatas-homens são mais interessantes do que as diplomatas-mulheres?
Depende dos homens. E das mulheres, também...'Nem sempre a elegância estética se pode colocar acima da verdade', disse.

Uma mulher activa intelectualmente rejeita as bijutarias da vida?
Qual quê? Não dispenso brincos e uso muitas vezes alfinetes na lapela...

Usa o seu charme feminino num confronto diplomático?
Uso tudo o que for preciso, mas em modalidades e doses adequadas.

Sobra-lhe tempo em Bruxelas para andar às compras?
Raramente, nem sequer para abastecer o frigorífico. Aproveito as esperas nos aeroportos.

Sente que está fora do país ou nunca se sentiu tão perto?
Nunca me senti tão dentro, estando fora cinco dias por semana.

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quarta-feira, agosto 29, 2007

Carlos Magno


"Cavaco quer merecer o cartão de jornalista estagiário"

Conhece os truques e as curvas das perguntas. Quando não existem, lê nas entrelinhas. E, na dúvida, responde como se estivessem lá. Carlos Magno, 52 anos, jornalista e comentador do palco político da nação aproveita a boleia para deixar recados. Entre sucessos e fracassos não perdeu o pé. Em alguns casos, só a fé.


[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 29 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Que parte do seu percurso, pessoal ou profissional, apagaria da Wikipédia?Nenhuma. Sou um liberal. Nem sei o que lá vem escrito A Wikipedia não é a caixa negra do meu percurso, nem a memória íntima de qualquer imagem pública. É só uma parede virtual, onde cada um escreve, anonimamente, o que lhe apetece sobre os outros.


Sente que perdeu o pé quando tentou criar a NTV?Só perdi a fé. Acreditava no bairrismo cosmopolita do Porto e percebi que esse projecto só será possível na próxima geração. Criei a NTV quando os próprios accionistas quiseram fazer abortar o projecto muito antes do arranque. Apesar disso ficaram na RTP grandes jornalistas que eu formei. Embora outros tenham sido dispensados. Precisamente por serem ainda melhores.


O canal era, como chegou a ser dito, o espelho do seu criador?
Sobre os espelhos sugiro a leitura de um livrinho de Umberto Eco precisamente com este título: «Sobre os espelhos». É lá que ele explica as ilusões ópticas entre a semiótica e a semiose.


A travessia do deserto existe mesmo ou é um mito?
Desertar, agora que Portugal está um oásis, faz-me lembrar o camelo que não percebe a mensagem do Sérgio Godinho: « …e o Porto aqui tão perto».


“Intelectual-crítico-amante-de-prazeres” é uma definição que encaixa em si ou escolheria outra?
Se eu respondesse a esta pergunta você não me faria a próxima, mas olhe que eu faço uma avaliação crítica dos intelectuais sem prazer.


Há quem defenda que quando se olha ao espelho fica abismado com “tanta beleza e tanta perfeição”. É assim ou nem tanto?É muito mais do que isso. Sobretudo quando olho para o retrovisor e vejo uma mulher bonita no carro atrás de mim.


Não resiste a escrever sem fazer jogos de palavras, trocadilhos. É um truque calculado ou algo que lhe sai espontaneamente?
Depende. Perante um inquérito destes, por exemplo, a tentação é evitar jogos de linguagem. Mas não consigo porque as suas perguntas trazem calculado o truque. E se eu responder sem trocadilhos lá se vai a paciência do leitor.


Rescindiu com a TSF em 2004. Um dissidente continua a ouvir a rádio que fundou?Com a mesma naturalidade com que a TSF me ouve a mim.


Da TSF tem mais saudades do Grande Júri ou de Freud & Maquiavel?
Tenho saudades do tempo em que a TSF tinha notícias.


Para Maquiavel todos os homens são movidos por interesses egoístas, por ambição e poder pessoal. Se Carlos Amaral Dias era Freud, Carlos Magno era Maquiavel. Quer dizer que se revê nesta convicção?
Li Maquiavel pela mão de Jorge de Sena que defendia a tese de que verdadeiramente maquiavélico era o Príncipe. O Carlos Amaral Dias ensinou-me a ler Freud. E com ele percebi que se o Maquiavel fosse vivo seria hoje um «spin doctor» do marketing político.


Política e psicanálise andam mesmo de mãos dadas?
Sim. Em total promiscuidade com a literatura, o cinema, o futebol, o sexo, a comida, os negócios estrangeiros, a música, as viagens, a lingerie e os agentes secretos.


Pode dizer-se que há um lado voyeurista nos analistas políticos?
Mas mais voyeurista é o público que leva a sério os comentários de políticos travestidos de analistas.


Como Fernando Seara, também acha que Marcelo Rebelo de Sousa seria, no actual cenário, o próximo melhor presidente da República?
Acho que Marcelo seria um bom presidente da Câmara de Sintra.


Na política, quem ressuscitaria, se pudesse: Francisco Sá Carneiro ou Francisco Lucas Pires?
Acho que fazem os dois muita falta à direita portuguesa e o Francisco Lucas Pires à própria direita europeia. Em 2008 vai fazer dez anos que o eurodeputado morreu. Mas tenho falado com alguns dos seus amigos e espero que no próximo ano nos encontremos todos em Ofir. Eu estive lá como jornalista e sei que quem melhor aproveitou as ideias daquele grupo liberalizador de Lucas Pires foi Cavaco Silva como Primeiro-Ministro.


E no jornalismo?
No jornalismo ressuscitava o Victor Cunha Rego que era um homem de esquerda e andou várias vezes com a direita às costas. Ou vice-versa, como ele dizia. Mas ressuscitava para a rádio um que, felizmente, está bem vivo: Francisco Sena Santos.


Cavaco Silva vetou o Estatuto do Jornalista. Ficou surpreendido?
Não. Acho que o Presidente da República é sempre o maior líder de opinião no nosso sistema político e Cavaco Silva quer merecer, hoje, o cartão de jornalista estagiário que nos lhe oferecemos, simbolicamente, no seu 48º aniversário, em plena campanha eleitoral, quando ele achava que nós cobríamos mal os seus comícios.


Acha que os media ajudam a tornar periférico tudo o que não está em Lisboa ou é, apenas, inglória a luta no sentido contrário?Eu nunca me senti periférico. Acho é que a agenda mediática portuguesa se tornou quase merdiaticamente irrelevante.


Em que é que a nova geração de jornalistas é diferente da sua?
Na falta de memória.


O que há em si de verdadeiramente transmontano?
Eu não gosto da palavra transmontano. Prefiro dizer que sou nordestino. E costumo dizer aos meus conterrâneos que um transmontano é um resistente. Mas um nordestino é um sobrevivente com uma bússola para descobrir o Norte e com ele o seu destino.


Qual é hoje o seu Norte?
O Norte de que se fala nos jornais é uma invenção do Sul. O meu Norte é uma frase do professor Agostinho da Silva quando me dizia que «há muito Norte a sul do equador que nos passa pela cabeça».

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terça-feira, agosto 28, 2007

Paulo Brandão


"Não sou um jogador tão caro como gostaria"

É um dos programadores mais cobiçados. E, ao mesmo tempo, um dos mais temidos – os equipamentos que programa parecem sempre condenados ao sucesso. Paulo Brandão, 40 anos, director artístico do Theatro Circo, em Braga, responde por mail à entrevista, numa pausa da mudança de casa.
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 28 de Agosto de 2007 na série farpas no Jornal de Notícias]

Confima o slogan: "É bom viver em Braga"?
Muito bom. Como no Silvas; a Jo-Jo's tem todos os discos de que preciso; a Centésima Página é visita obrigatória todas as semanas; o Circo dá-me a adrenalina; no Latino faço o balanço. Durmo em Famalicão.

Já se converteu ao lado mais católico da cidade?
Não sou fácil de converter a coisa alguma. Em Braga, a minha religião é a do Theatro Circo.
A sua transferência da Casa das Artes em Famalicão para o Theatro Circo (TC) em Braga foi como subir da liga de honra à primeira divisão?
Não gosto de analogias com o mundo do futebol, mas respondo com uma: na vida, vejo-me mais como massagista de uma equipa feminina (a divisão não importa). O que importa são os resultados.

O Paulo é um jogador caro?
Não tão caro como gostaria.

Tem sido recorrente a comparação da sua programação com a da Casa da Música (CM). É o seu próximo campeonato?
A Casa da Música tem um excelente programador. Não é o meu "próximo campeonato". Mas qual o programador que não gostaria de a programar?

Há competição entre os dois equipamentos?
Não há competição. Mas os espectadores é que devem decidir.

Ambos decidiram ter países convidados: Espanha, no caso da CM; França e Alemanha, no caso do TC. Há coincidências?
Há coincidências, certamente.

Ao colocar Famalicão e Braga no mapa está também a colocar lá o seu próprio nome?
Os mapas também são feitos de pessoas. Aliar o meu nome a Famalicão e a Braga é uma honra.

O facto de antes, como agora, estar sempre tudo centralizado em si é uma exigência sua?
É uma forma de trabalhar. Embora passe os dias a descentralizar pelos meus colaboradores.

O que achou da petição "Contra o compadrio cultural de Braga", que ainda está a circular na Internet?
Desconheço a petição. Não gosto de compadrios pela negativa.

Encara a política da cidade como território de padrinhos?
A cultura precisa de "padrinhos". Muitos. Aproveito para lhe indicar que o Theatro Circo anda à procura de Mecenas.

Ainda não está há um ano no TC e já houve quem pedisse a sua demissão. Como reage?
Ponho na balança. A minha demissão, porquê!?

O financiamento de políticas culturais é mais fácil de obter em autarquias laterais, isto é, fora do eixo Porto-Lisboa?
As autarquias não têm dinheiro. O Ministério da Cultura não tem dinheiro. O país não tem dinheiro. A solução é fazermo-nos cada vez melhores.

"Não será por falta de verba que esta casa não fará espectáculos", disse Mesquita Machado. É um privilegiado?
A situação de privilégio não é minha, é de Braga e de todos os que frequentam o Theatro Circo.

Ainda é espectador do Teatro Nacional S. João, onde trabalhou oito anos?
Sempre que posso. Ricardo Pais é um esteta que muito admiro.

Se um produtor privado quisesse gerir o TC, como reagiria?
Não sei se tal será possível. O dinheiro não pode ser tudo.

Braga ajudou a encurtar a distância de Lisboa?
Braga, Bragança, Famalicão, Guimarães e Vila Real são exemplos que têm vindo a encurtar culturalmente a distância. Lisboa, em relação a nós, é que está cada vez mais longe.

Assistiria mais depressa a uma corrida de carros ou a um concerto de John Zorn?
Compreendo a sua pergunta e confesso que não nutro grande admiração pelo senhor Rui Rio. Assistiria com agrado a um concerto de Zorn, por exemplo, no Rivoli. Mas também não me faria mossa assistir a uma corrida de automóveis em frente ao Theatro Circo.

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segunda-feira, agosto 27, 2007

Guta Moura Guedes


"Não tenho paciência para conversas da treta"

Hesitou, ponderou, quase recuou. No regresso de férias, Guta Moura Guedes, 42 anos, reavaliou a proposta e aceitou responder à entrevista. Por mail. A “senhora design”, como foi baptizada, e agora, também, rosto feminino da Casa da Música, não é “mulher de palco”.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 27 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]


Perguntam-lhe muitas vezes se é da família da Manuela Moura Guedes?
Às vezes. Normalmente, após a minha confirmação, comentam: “Ah, mas são tão diferentes! Não são nada parecidas!”. O que é um facto.

Está mais próxima de Ally McBeal, Carrie de "Sex and the city", Lynette Scavo de "Desesperate Housewives" ou Kate de "Lost"?Não faço a mínima ideia. A única que eu conheço daí é a Kate do Lost, que é uma série de culto que eu vejo com os meus filhos e com os meus irmãos. Mas próxima como? Elas não são reais. Eu não me revejo em imagens, nem me comparo com ficções.

Que imagem de si lhe devolve o espelho?A minha, espero eu. Uma mulher de 42 anos, morena, olhos claros, feliz.

As sardas foram, em algum momento, motivo de complexos?Porquê? Deveriam ser?! Não concordo nada com isso! Acho-lhes tanta graça. Às minhas ou a outras quaisquer. Sempre achei, desde miúda.

Em Portugal, é mais complicado ser mulher, bonita ou independente?Hoje em dia não é complicado ser-se mulher, bonita e independente. É bom! Bonita por fora e mulher são duas coisas que não se escolhem, nasce-se assim, é um calhar. Independência é algo que se conquista, pela qual se luta diariamente, é uma escolha. Adoro mulheres bonitas, independentes e inteligentes. É sempre um privilégio trabalhar ou estar com elas. Quem não sabe isto, não sabe o que perde.

Não tem paciência para conversas de mulheres ou não vive sem elas?Gosto imenso do universo feminino. Dos detalhes, dos pormenores, das nuances, das perspectivas, das sensibilidades. Não tenho paciência é para conversas de café, para falar sobre o tempo, para conversas ocas, da treta, seja com homens ou com mulheres. Isso aborrece-me mortalmente. Fujo a sete pés.

O seu percurso académico foi feito de alguns recomeços. Seria capaz de começar tudo do zero outra vez?Claro que sim. Interessa-me a energia dos recomeços e as possibilidades que se abrem com isso. Gosto de manter um lado da minha vida sólido, estável e contínuo e gosto de, noutras áreas, estar sempre aberta a novos desafios. Não me impressiona recomeçar, impressiona-me é cristalizar e fossilizar.

Que professor escolheria para voltar a tocar piano?Não sei. Um dia hei-de pensar nisso.

Já foi cantora. Hoje, é fã do karaoke?Eu não fui cantora, nunca tive essa profissão. Cantei em público, pertenci a um grupo de jazz e gravei em estúdio, mas isso entre muitas outras coisa que fiz. Gosto muito mais de cantar em privado. O karaoke tem uma dimensão de exposição pública que eu não gosto. Esse foi um dos motivos que me levou para fora do mundo da música. Não sou uma mulher de palco.

A sua casa é uma colecção de objectos de design?A minha casa reflecte o que eu e os meus filhos somos e como queremos viver. Não tenho espírito de coleccionadora, não tenho a mínima paciência para isso. Tenho poucos objectos, não sou de objectos. Gosto de espaços amplos e abertos. Pouco preenchidos, mas quentes e expressivos, com móveis e equipamentos bem desenhados e calorosos.

Desenhou uma cadeira (Blimunda) inspirada em Saramago. Que objecto desenharia para Lobo Antunes?Ah, mas a cadeira não foi inspirada no José Saramago, mas sim numa das personagens de um livro escrito por ele. Ao ler o Memorial do Convento algumas dessas personagens tomaram formas tridimensionais dentro da minha cabeça e eu desenhei-as. Isso nunca me aconteceu com nenhum livro do Lobo Antunes.

A propósito, o que faz "quando tudo arde"?Deixo arrefecer. O que, dependendo do que é o “tudo”, pode levar horas, dias, meses ou anos. A seguir parto para outra, sozinha ou com os que comigo quiserem ir. Gosto muito mais de ir bem acompanhada.

Em locais públicos, gosta de observar as pessoas ou abstrai-se?De observar as pessoas. Sou fascinada pela variedade e por tentar perceber como é cada um. Mas não sou lá muito sociável. É-me muito fácil estar completamente abstraída no meio de muita gente, quase como se não estivesse lá.

Alguma vez sentiu vergonha de Portugal num qualquer evento internacional?Não. Às vezes estamos aquém do que somos, outras vezes enganamo-nos redondamente, mas nunca vi nada que me envergonhasse verdadeiramente. Embaraçou-me muito explicar internacionalmente o cancelamento da ExperimentaDesign2007 – Bienal de Lisboa devido ao comportamento de um autarca português, que por acaso era o autarca da capital de Portugal. A estupefacção geral foi enorme. E é claro que senti vergonha que isto acontecesse no meu país.

Maria João Bustorff ou Isabel Pires de Lima: qual das duas representou melhor o Ministério da Cultura?Isso é algo sobre o qual eu falaria de bom grado com cada uma delas, mas não nos jornais. Pena é que o Ministério da Cultura, com o orçamento e meios que tem, continue a não poder ser mais do que uma espécie de fraca Secretaria da Cultura.

A Câmara de Lisboa inviabilizou sem aviso prévio a Experimenta Design. Crime ou castigo para Carmona Rodrigues?Carmona Rodrigues procedeu erradamente em relação à Experimenta, enquanto ocupava um cargo público de alta responsabilidade. É evidente que deveria pagar por isso. Mas a vida, com as suas voltas, às vezes trata destes assuntos de um modo tão natural e tão eficaz, já viu? Eu não gosto de perder tempo a destruir ou a punir. Não acredito nisso, sequer, nem sei fazê-lo, não está na minha natureza. Interessa-me é andar em frente e deixar para trás estes infelizes acontecimentos.

Era capaz de assumir algum protagonismo político em Torres Vedras?Muito daquilo que faço, em Portugal ou no estrangeiro, tem uma dimensão política, na expressão mais pura desta palavra. Interessa-me o trabalho comunitário, trabalhar para melhorar a sociedade. Mas a política ligada aos partidos não me atrai nada, nunca me atraiu. Não faço nenhuma questão de ter protagonismo político, nem em Torres Vedras, nem em sítio nenhum.

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domingo, agosto 26, 2007

Paulo Cunha e Silva


"O Porto é uma cidade com o cérebro sequestrado"

Num encontro, pós envio da entrevista, Paulo Cunha e Silva, 45 anos, queixou-se da ‘maldade’ das perguntas. Demorou sete dias a responder. Colunista amigo, presente nesse momento que assinalava o lançamento das crónicas do programador da Porto 2001, gracejou: “Não entendo o que ele diz”. O investigador do corpo e do Porto, garante: “Não sou formal”.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada na série "Farpas" do JN a 20 de Julho de 2007]

Não consigo imaginá-lo fora dessa postura invariavelmente coloquial. Há outra pessoa, porventura mais solta, além dessa?
Sou muito solto. Porventura demais. Quase o campeão da informalidade. Mas também patologicamente tímido, embora atrevido. Talvez que o resultado seja, para um observador exterior, um animal selvagem dentro de um colete de forças, dentro de uma jaula elástica adaptada à pele.

Tem medo do juízo dos outros?
Não tenho medo, mas sou sensível. Com o tempo fui ficando com a pele dura. Todos procuramos reconhecimento. Quem disser que não, mente. E o reconhecimento só pode ser dado pelos outros. Essa é porventura a nossa maior dependência. Mesmo o político com a carapaça mais espessa não se consegue livrar dessa vulnerabilidade, o juízo dos outros, a não ser que esteja disposto a perder as eleições.

O que não o mata, alimenta-o?
Até comigo o metabolismo funciona (risos). Não sei se podemos falar de um metabolismo da dor e da perda. Mas sem dúvida que todas as experiências, mesmo (sobretudo) as negativas, são constitutivas.

É mais dado à acção ou à melancolia?
Absolutamente ciclotímico. Nisso sou muito nacional. Oscilo entre períodos de euforia produtiva e abandono melancólico.

O que lhe seria mais difícil aceitar: a perda da memória ou do amor?
Mas há amor sem memória? Sem me lembrar daquilo que “fizeste” ontem?

Houellebeqc diz que "precisamos de aventura e erotismo porque temos necessidade de nos ouvir dizer que a vida é maravilhosa e excitante e, mesmo assim, chegamos a por tudo em causa". Precisa disso?
De aventura, seguramente. A aventura é o termómetro da outra vida que todos queremos viver. E de erotismo também. Ele é o momento em que a minha pele se estende pela pele do mundo. Defendo assim um panerotismo. Uma Erótica do palpável, mas também do inapreensível.

Que personagem criaria para o Second Life, se aderisse ao jogo?
Ficaria com o avatar de mim próprio, passe o narcisismo virtual.

Qual foi a sua melhor ficção na vida real?
A própria vida real. Só a aceito porque estou convencido de que se trata de uma imensa ficção. No limite de uma ficção em que nós somos simultaneamente dramaturgos, encenadores e actores. Se assim não fosse isto seria insuportável.

O que move alguém com aversão ao sangue a licenciar-se em medicina?
Mas eu gosto de sangue! Atenção, não sou vampiro, mas é um dos meus tecidos favoritos. É o nosso verdadeiro underware. Até já escrevi sobre ele (uma afirmação irritante que uso para desmobilizar adversários).

Costuma automedicar-se?
Sempre que possível. Sou um doente clinicamente incorrecto.

O que lhe é mais indispensável: TV Cabo, telemóvel ou Internet?
Telemóvel. Transformou-se, sem eu dar por isso, numa prótese inalienável. Fico disfuncional quando ele não funciona.

Em Portugal as pessoas obtêm lugares consoante a exposição que têm?
Nem isso. Portugal é um país por onde os princípios do determinismo e da causalidade não passaram: tudo pode acontecer sem se saber porquê. Toda a gente pode ser tudo, sobretudo quando tem qualificações para ser coisa nenhuma.

Há falta de imaginação, no Porto, para a nomeação de cargos relevantes?
Neste momento há falta de imaginação no Porto para o que quer que seja. É uma cidade com o cérebro sequestrado. Sofreu uma lobotomia e parece que ninguém deu por nada. Não gosto da ideia de cargo, é muito pesada.

Que relação tem hoje com Isabel Pires de Lima?
Nenhuma. Mas não posso deixar de aplaudir a sua eficácia no desmantelamento do Ministério da Cultura. Não teria sido melhor se Sócrates lhe tivesse pedido “Para Acabar de Vez com a Cultura”. Nem Santana Lopes (enquanto SEC) conseguiu tal proeza.

"A ambição embriaga mais do que a glória"?
São duas drogas muito aditivas. Mas o mundo não avança sem a primeira nem relaxa sem a segunda.

O Alentejo é o lugar a que volta sempre ou só o lugar de onde saiu?
É o lugar de onde saí com um ano de idade. A vida de magistrado (pai) era uma vida cigana. Mas é um lugar onde me apetece voltar quando preciso de vistas largas.

No cinema, prefere Almodôvar ou Oliveira?
Gosto muito dos dois. Formalmente muito diferentes, há, todavia, em ambos uma humanidade radical. São dois mestres absolutos da ironia enquanto sistema de dissecação do humano. A velocidade de Almodôvar e a imobilidade de Oliveira são estratégias ao serviço do mesmo objectivo: fazer um mapa da alma.

Tem em comum com David Cronenberg o corpo como objecto de estudo. Se fosse o cineasta, de que forma apresentaria o efeito do tempo no seu?
Curiosamente, no meio dos meus 45 anos, sou uma pessoa pacificada com o envelhecimento, mesmo que viva no seio de uma cultura que celebra a juventude. Pensar o corpo ajudou-me a conviver melhor com ele. Não gostaria de sofrer um “crash”, nem pediria ajuda aos “irmãos inseparáveis”. O tempo não se vê se não acelerarmos as suas consequências, é assim um dos objectos mais infilmáveis. Só vemos o movimento, como seu efeito secundário. Por isso filmar-me-ia em trânsito com uma câmara, não apontada para trás (wenderiana), mas apontada para frente, e o meu tempo seria o tempo que há-de vir.

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Miguel Veiga


"É provável que venha a ter o nome numa travessa da Foz"

Ele preferia sardinhas. Por cortesia, aceitou partilhar uma maionese de pescada, numa esplanada dessa Foz, que é a sua casa. Miguel Veiga, 71 anos, respondeu às perguntas em 27 minutos, desafiando a síntese que não possui. O telemóvel tocou cinco vezes: tudo jornalistas à procura de respostas para o PSD. O histórico do partido nunca foi elegível, mas é sempre o primeiro a ser ouvido.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada na série "Farpas" do JN a 19 de Julho de 2007]

Alguma vez meteu uma cunha por alguém?
Cunha não, porque é um nome feio e pesado. Mas empenho, sim.

Tem muitos pedidos de empenho?
Tenho muitos e muitas vezes me empenho.

É um jogador?
Sou um jogador moderado e controlado.

Costuma ir ao Casino?
Vou lá algumas vezes; não muitas. Sou um jogador a prazo certo. Passado meia hora, esteja a ganhar ou a perder, fico saturado e venho-me embora.

As conversas com Artur Santos Silva, que trata por irmão, versam sobre os desígnios nacionais ou sobre coisas de rapazes?
Rimo-nos muito. Muitas vezes de coisas proibidas e desvairadas. Embora, eu seja sempre o agente provocador, porque ele é um vitoriano por compostura.

Mas ele é um bom receptor das suas provocações?
É melhor receptor do que emissor. Divertimo-nos muito. Nessa distribuição de encargos, ele deixa os desvarios e as derivas para mim. Sempre com o intuito de que eu o recompense. E recompenso-o. O meu último gesto, que foi a maior alegria da vida dele, foi nomeá-lo meu gestor de conta [risos].

Como é ter uma neta sem ter filhos?
A minha neta Leonor, filha do meu enteado Nuno, é a menina dos meus olhos. É o meu deslumbramento. É uma luz nova, surpreendente e encantadora, com que ilumino os meus dias. Foi a primeira e, certamente, a última mulher que me fez abandonar mais cedo o escritório, de onde regresso, habitualmente, às 21.30. Muitas vezes, às 19.30 horas, já tenho tantas saudades dela que tenho de ir apressadamente para casa.

A sua experiência diz-lhe que as mulheres se apaixonam mais pelo cérebro ou pela aparência masculina?
As mulheres começam a apaixonar-se pela cabeça dos homens, mas são suficientemente lúcidas para depois descerem pelo corpo abaixo.

A paixão de Primavera é igual à de Outono?
O coração bate exactamente da mesma maneira. As pulsões do coração são exactamente as mesmas. O corpo é que, de vez em quando, não a acompanha tanto.

No Brasil, há uma nova moda, chamada “dogging”, que envolve a prática de actos sexuais em locais públicos. Parece-lhe razoável?
Definitivamente, não. Peremptoriamente, não. Não sou moralista, nem sou um homem de virtudes, mas há excessos que sinto como completamente revoltantes. E esse tipo de jogo é completamente execrável. Até porque acredito no jogo da sedução, do desejo, do encontro. E os encontros não se fazem dessa maneira.

Escreveu: “A verdade do desejo é a única que não mente”. Ainda cede ou resiste?
Resisto a tudo, salvo à tentação do desejo.

Desejava ter o seu nome numa rua do Porto?
Desde que fosse um lugar como a Foz, a que estou enraizadamente ligado, porque não? Embora, passasse a ser um nome como tantos outros; apenas o nome de um endereço. As pessoas depois esquecem.

Sente que, mais cedo ou mais tarde, acabará por tê-lo?
É provável. Se continuarem a construir-se tantas edificações na Foz, é possível que ainda sobre alguma travessa para mim.

Como descobriu o Minho?
Há muitos anos, a Belicha [mulher] queria muito uma casa de campo. Sempre fui refractário militante ao campo. E dizia sempre, abonando-me com Baudelaire, que “o campo é um legume santificado”. Um dia, um grande amigo, José Rodrigues [escultor], que tem o célebre convento Sampaio no cimo de Cerveira, quis levar-me para junto dele. Andou a procurar uma casa e encontrou. Um dia, convidou-me para almoçar e, à falsa fé, depois de almoço, disse: “Vou mostrar-te uma vista bonita”. Foi o ‘coup de foudre’. É uma casa de pedra, que tem a qualidade de não pretender ser mais nada senão uma casa de pedra, o que é raro no Minho, que é cheio de rodriguinhos. Olhei para o rio ondulado, para aquela espécie de neblina de evaporação que sobe e dá uma outra cor e visão às coisas, uma espécie de nuvens. E disse: “Isto é a casa das nuvens”. Apaixonei-me e registei-a. A casa é minha.

Sente a pressão do tempo?
Não se deve dar o tempo ao tempo, porque ele aproveita-se.

Aceitaria ser advogado de um dos arguidos do caso ‘Apito Dourado’?
Não teria preconceitos. Mas é um mundo que desconheço, ao qual não pertenço e que não me atrai. Receio bem que, se aceitasse, não seria um bom advogado.

Enquanto líder do PSD, Luís Marques Mendes nunca o convenceu. Em que falhou?
Marques Mendes revelou grande coragem política, grande rigor, grande correcção, grande capacidade de trabalho e, sobretudo, uma probidade digna dos maiores elogios. É fiel à célebre máxima de Francisco Sá Carneiro: “A política sem ética é uma vergonha”. São atributos e qualidades que ninguém lhe poderá negar. Acontece que não conseguiu dar um élan revitalizador a um partido que recebeu desfalcado, fragilizado, despedaçado e desertificado. E foi co-responsável, em certa medida, pelo preenchimento de lugares do aparelho partidário, constituído por inanidades, por irrelevâncias, quando não por inépcias. Tudo numa apagada tristeza. Ora, o partido não pode viver só de uma liderança; mas de um colectivo. A força de um partido é o seu colectivo. É esse que está absolutamente anémico. Por outro lado, falta-lhe também, um certo carisma, que é necessário a qualquer liderança. É deste balanço que faço o meu juízo sobre Marques Mendes, pessoa, aliás, que estimo e de quem sou amigo.

Quais as características imprescindíveis do futuro líder?
A primeira é ter a capacidade e a convicção de fazer regressar ao partido toda a massa crítica que dele está afastada, para conseguir revitalizar o colectivo do partido. A segunda é ter, como já disse, aquilo que se chama um determinado carisma; o poder de convicção e sedução que faz atrair o eleitorado e que faz com que esses e os militantes do partido entreguem a sua confiança ao líder de maneira a torná-lo credível. E para que, ao mesmo tempo, através desse processo de osmose, o líder possa apresentar-se como fiável. A terceira é uma forte convicção ideológica no sentido de o partido atingir o seu desígnio político, que é o exercício da social-democracia. Ou seja, um líder que quando age é um homem de pensamento e quando pensa um homem de acção.

Rui Rio seria esse homem?
O doutor Rui Rio tem muitos dos atributos que enunciei.

Uma vez que ele declinou a hipótese, apoiará José Pedro Aguiar Branco?
Não sei quem se vai apresentar. Estou muito próximo do José Pedro Aguiar Branco por razões de amizade, de antiga camaradagem política e por afinidades electivas - electivas de convicções e ideários. E reconheço-lhe, fora disso, muitíssimas capacidades. Hoje, dentro do leque disponível, é, sem dúvida nenhuma, a personalidade de quem me sinto mais próximo.

E se Manuela Ferreira Leite decidir candidatar-se?
Seria uma grande candidata! Não tenho dúvidas nenhumas. Mas, até agora, não se sabe se ela o vai fazer. Sei uma coisa, pelo que li nos jornais: se ela avançar, o Aguiar Branco não correrá contra ela. Dizendo isto, estou a dizer tudo.

Há um PSD do Norte e outro do Sul?
Isso é uma distinção que vem de longe, do tempo do Francisco Sá Carneiro. Não sei se hoje fará tanto sentido. Não sei se nestes tempos de globalização, mesmo interna, pode haver essa destrinça. Pode haver - e acredito que as haja - distinções entre os nortenhos e os sulistas. Pode haver distinções de concepções de vida, temperamentos, reacções. Admito que isso também possa reflectir-se no exercício da acção política, mas como consequência de um fenómeno mais largo e não restrito ao PSD, como se houvesse dois blocos.

Sente-se bem nesse papel de histórico do partido, uma espécie de barão?
Barão, nunca fui de nada, até porque sou visceralmente republicano. Sou um histórico, apenas, por ter sido um dos 14 fundadores do PSD. Estou ligado à história, à criação do partido, àqueles que lançaram as suas bases programáticas, e fizeram a sua implantação, a sua divulgação, etc. Histórico, também, se houver o sentido de continuidade na História - o que duvido - como um sentido de permanência e fidelidade às minhas convicções sociais democratas. Num sentido mais subjectivo, sempre sustentei que a História, mais do que uma continuidade, é uma impaciência. E acrescento: a tradição, tal como as mulheres, têm que ser simultaneamente respeitadas e inquietadas.

O PSD tem uma longa travessia do deserto para cumprir?
Para já, o horizonte não é muito claro, nem muito benéfico. Os ventos e as marés não sopram de feição. Mas o PSD não perde a esperança, porque é um partido de poder. O poder, para ele, é a terra prometida. [Esta foi muito boa, não foi?]

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Clara Pinto Correia


"Quem tem umas massas num país falido é rei"

Véspera de viagem para o estrangeiro . Clara Pinto Correia, 47 anos, é de poucas palavras ao telefone. Mas acede, simpática, a responder à entrevista por mail. Professora catedrática e bióloga, sempre com uma mão nos livros e outra nos jornais, passa em revista o passado recente e antecipa a reforma. Sem travão.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada na série "Farpas" do JN a 18 de Julho de 2007]

É verdade que costuma alugar uma casa de turismo de habitação, no Alentejo, só para si? O que é que faz que de outra forma não faria?
Fico sempre parva com esses mitos que se criam. Não alugo casa nenhuma só para mim, que disparate. Tenho dois grandes amigos, o António e a Lurdinhas, que vivem, com os filhos num turismo rural chamado Monte do Cabeço do Ouro, perto de Grândola, para onde vou (a pagantes, como qualquer outra pessoa) sempre que me apetece, e onde faço tudo o que me apetece: estar com os meus filhos em sossego, dar um mergulhinho na piscina ao fim do dia, entregar-me toda a longos passeios a cavalo em que as preocupações desaparecem ao ritmo do galope. Escrever, andar descalça... Sei que estou sempre bem quando vou para lá, e por isso, de facto, é um dos meus lugares de carregar a pilha.

Os resorts seduzem-na ou entediam-na?
Que horror. Só morta é que me apanhavam num sítio desses.

Está mais próxima de Ally McBeal ou Carrie de “Sex and the city”?
Não vejo televisão, por isso não posso responder. Pelo que vi enquanto estava na América, não me identifico minimamente com as meninas do 'Sex and de City'. Dá vontade de dizer: "Awh, just get a life!". E estou nos antí­podas da Ally McBeal, tanto nas inclinações profissionais como a anorexia.

Dá a mão à palmatória com facilidade?
Com toda a naturalidade.

Custou-lhe a assunção do erro que a fez baralhar textos seus com os de cronistas da New Yorker?
Assumi o engano imediatamente. O que me custou mesmo foi ver que as pessoas não queriam explicações. Queriam sangue. Queriam julgamento sem direito a defesa e linchamento na praça pública. Isso sim, claro que me custou. Sobretudo pelo que os meus filhos tiveram que aguentar.

Do ponto de vista mediático, sente que há um antes e um depois desse episódio?
Não. Sinto que há um antes e depois de eu ter feito a agregação e passado a ser catedrática. E um antes e um depois de eu ter feito 40 anos. Em ambos os casos, a diferença e para muito melhor. Acontece-me com frequência as pessoas que passam por mim na rua, independentemente da idade e do género, dizerem-me que sou eu que lhes dou esperança. É uma enorme responsabilidade, claro, mas é também um elogio muitobonito.

Os 40 anos bateram-lhe “fundo na alma”. Teme nova epifania reservada aos 50?
Sei lá. Por definição, as epifanias não são previsíveis. Mas isto está a ser bom, e eu estou a gostar imenso.

Ficou magoada com a posição da “Visão” de suspender a sua colaboração?
Não batam mais no ceguinho. Já passaram quase cinco anos.

Os portugueses estão sempre à espera de ver alguém escorregar?
Eu acho que, infelizmente, isso é uma característica da natureza humana, pelo menos no Ocidente. Durante os dez anos em que vivi na América, descobri que toda a gente naquele país imenso gostava de ver os ídolos e depois pisá-los bem pisados. E horrível. Mas é assim. Olhem a indecência que estão a fazer com o Carlos Cruz, a barrar-lhe todo o acesso aos trabalhos em que ele é o melhor de todos, quando um homem que ainda não foi julgado é por lei e por simples lógica considerado inocente!

É mais fácil ser-se admirado quando não se está cá?
É tudo mais fácil quando vivemos num sítio onde as pessoas não nos reconhecem na rua.

Procura o sítio certo à hora certa para poder fazer coisas em Portugal?
Claro. Senão, não conseguiria faze-las.

No “24 Horas” deixava-se fotografar com os entrevistados. Porquê?
Porque foi uma série de um ano de entrevistas minhas a portugueses de cinco estrelas que pouca gente conhece, e este trabalho foi feito num estilo muito próprio, extremamente pessoal. Era apenas lógico que eu aparecesse numa das fotografias.

Chocou-a a ignorância do concurso “Belas e Mestres”?
Deixou-me doente. Já escrevi muito sobre isso, e vou continuar a escrever.


A inteligência está a perder pontos para a beleza?
Nunca. Se as pessoas não forem inteligentes não conseguem ser bonitas. Isto não e negociável.
No “Kiss me” interpreta uma mulher de espírito independente, moderno, à frente do seu tempo.


Identifica-se com ela?
Não. Mas simpatizo com ela.

Era capaz de se apaixonar por uma mulher?
Falo com conhecimento de causa, porque já fiz a experiência que desencadeia essas coisas: não. E agradável e sofisticado estar com mulheres, mas eu, numa semana, fiquei satisfeita para o resto da vida. Um bom homem faz imensa falta.

A possibilidade de hoje poder escolher-se a cor dos olhos e do cabelo, o feitio e o paladar dos bebés é perigosa ou razoável?
E de gosto duvidoso e pode abrir as portas para escolhas genéticas muitíssimo mais desagradáveis, como a pureza da raça ariana.

A adopção é uma moda ou uma representação de um sentido humanitário crescente?
A moda e o "sentido humanitário", neste momento, em Portugal, são exactamente a mesma coisa. E sim, há muito quem goste de adoptar para a fotografia.


Ainda gostava de ser uma park ranger?
Isso era o meu sonho de miúda. Agora quero, sobretudo, viver em paz e sentir-me feliz quando acordo. Mas, na reforma, claro - eu e o meu amor já estamos a tratar de tudo, incluindo a compra da casa, para acabarmos tranquilamente os nossos dias no campo, radicalmente no fim do mundo, rodeados de filhos e netos - e dos poucos amigos que sobreviveram ao teste e o serem para toda a vida.

Em terra de cegos quem tem um olho ainda é rei?
Em Portugal? É mais quem tem umas massas num pais falido.

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João Pereira Coutinho


"Se Paulo Portas pagasse as pipocas ia com ele ao cinema"

Está em viagem, mas responderá à entrevista quando chegar a casa, em Lisboa – avisa. Menos de duas horas depois, é ele quem afirma que as respostas não são muito inspiradoras. “É o que dá a pressão”, desculpa-se. João Pereira Coutinho, portuense e mordaz colunista do Expresso e da Folha de S. Paulo, 30 anos, confessa-se por e-mail.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada na série "Farpas" do JN a 17 de Julho de 2007]

É verdade que comprou o carro da manequim Mariza Cruz só por ser dela?
Mentira. Comprei o carro da Marisa Cruz porque estava à espera que ela viesse como brinde. Fui roubado.

Com raras excepções, porque é que só escreve bem do Brasil na ‘Folha de S. Paulo’ e mal de Portugal no ‘Expresso’?
Porque a ‘Folha’ paga melhor. Quando o ‘Expresso’ subir a parada, começo a elogiar Portugal e os portugueses semana sim, semana sim.

É melhor tratado lá, ou cá desde que começou a escrever para lá?
Sou tratado da mesma forma. Com a única excepção de que os insultos, do lado de lá, vêm com sotaque. Os elogios também. Portugal é um país de deslumbrados? Já vi pior. O Zimbabué, por exemplo.

Escrever dá-lhe mais prazer do que quando tocava piano nos bares?
A escrita não é uma questão de prazer; é uma questão de trabalho. O mesmo com o piano e os bares.

O processo que Manuel Seabra, vereador da Câmara de Matosinhos, moveu contra si quando tinha pouco mais de 20 anos, chateou-o ou deixou-o vaidoso?
Nem uma coisa nem outra. Mas sempre disse que estas coisas deviam ser tratadas em duelo.

Era capaz de viver no Porto outra vez?
Eu ainda vivo parte dos meus dias em Leça da Palmeira. A melhor parte, aliás.

A sua insolência nas crónicas é postiça ou é sempre assim?
Totalmente postiça. Como pessoa, sou uma doçura sem igual.

Vê-se como uma espécie de gato fedorento em versão intelectual?
Os “Gatos Fedorentos” são quatro intelectuais. Quando muito, sou uma versão fedorenta deles.

Que cronista gostaria de abolir da imprensa portuguesa?
O Alberto Gonçalves, do DN e da Sábado. Demasiado bom para ser verdade.

Nunca cita o seu primeiro livro nos dados biográficos. Porquê?
Problemas de memória.

Fala sozinho com frequência?
Sempre que posso. Mas nem sempre estou disposto a ouvir-me, muito menos a responder-me.

Não falar/não ouvir é mais nefasto na vida pessoal ou na esfera política?
Depende do interlocutor.

É sensível à crise dos 30?
Não, porque a minha precocidade obrigou-me a vivê-la quando tinha 20. Agora estou na crise dos 40. Não é mau de todo.

Imagino-o com gostos de adulto desde pequeno: charutos, whisky, hotéis, aviões, mulheres mais velhas. Quase como se tivesse passado a infância toda só à espera de crescer. Foi assim?
Sem dúvida. Aliás, ainda continuo à espera.

Alguma vez foi a um festival de Verão?
Uma vez, por engano. Temi que me cozinhassem.

Era capaz de ir ao cinema com Paulo Portas?
Sim, mas só se ele pagasse as pipocas.

“Treinadores apaixonados na cama tendem a incutir nos atletas uma vontade orgásmica de marcar”. Scolari parece-lhe apaixonado?
Nem por isso. Regular. Daí os resultados. Regulares.

Que biografia portuguesa gostaria que fosse publicada neste momento?
A minha. Mas escrita por um mentiroso profissional.

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José Miguel Júdice


"Num país de vidrinhos fui vítima dos vidrecos"

Chega a Serralves como turista, a passear as rodinhas da mala, a distribuir cumprimentos aos amigos do Porto. José Miguel Júdice, 61 anos, mandatário da candidatura de António Costa a Lisboa, é um caso sério de humor refinado. Entra na entrevista como num jogo. Responde em sete minutos e 13 segundos, voluntariamente desarmado. Ontem, por telefone, reagiu às eleições intercalares.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada na série "Farpas" do JN a 16 de Julho de 2007]

É detentor da marca Inês de Castro. Como se adquirem os direitos de um facto histórico?

Com alguma argúcia, algum conhecimento jurídico e com a boa vontade de a por ao serviço da colectividade.

No México, há uma espécie de competição entre as famílias de Diego Rivera e Frida Khalo para ver quem consegue colocar o nome dos respectivos familiares em mais produtos. E se os empresários desatarem a digladiar-se pela comercialização da História?
Por isso é que tive o cuidado de evitar que se estrague essa história fantástica! Todas as receitas que algum dia haja - e não houve até agora nenhuma - serão para a Fundação Inês de Castro, para perpetuar a imagem. Mas acho importante que os empresários descubram factos históricos; é uma forma de os divulgar e tornar mais conhecidos.

Não é esquisito vender o amor de Pedro e Inês numa lata de atum, como sugeriu?
Imagine o que será receber no dia de pedido de casamento uma lata de atum? É atum com amor. Pode ser pós-moderno, muito interessante e original.

Gostava mesmo de vender a história de Pedro e Inês a Hollywood?
Gostava, com certeza. Romeu e Julieta não resultou? E tem alguma dúvida de que a história de Romeu e Julieta é uma porcaria comparada com a de Pedro e Inês?

Terá que ser Joe Berardo a dar o empurrão?
Espero que não.

O seu processo disciplinar também dava um filme?
Ai dava, dava. Um filme de terror. Ou também podia dar uma comédia, uma tragédia, um filme para fazer chorar. E podia dar um filme que envergonhasse alguns dos actores.

Onde é que levava o bastonário dos advogados a banhos?
Não conheço.

O que fez ao colar da Ordem?
Nem sei, mas é uma coisa que deixou de me interessar há mais ou menos um ano.

E o retrato de que não autoriza exposição, vai buscá-lo?
Nunca chegou a ser feito, graças a Deus. Poupou-se dinheiro e poupou-se, provavelmente, uma obra de arte imortal. Na imaginação fica ainda mais bonito do que se fosse real.

Vai aproveitar as férias para apanhar sol na frente ribeirinha?
Não. Aí sinto-me um ginecologista. Trabalho onde espero que muitos se divirtam.

Incomoda-o passar por tachista?
Vindo de quem vem, com certeza que não me incomoda.

É possível colocar Lisboa nos eixos sem uma maioria absoluta?
Claro que é. Como foi possível ao professor Cavaco Silva fazer o seu programa em 85 e obter depois uma maioria em 87.

A percentagem de abstenção é desoladora?
Não. Há uma grande crispação contra os partidos, em Lisboa. E as eleições foram realizadas no pior dia: há pessoas a irem de férias e outras que ainda não regressaram. E há um cansaço grande em relação a eleições para dois anos. No entanto, uma abstenção na ordem dos 60% é um bocadinho, mas não é muito comparativamente aos 50% registados há dois anos.

Cabe ao PSD a maior lição a tirar destas eleições?
A grande lição é que vamos ter, finalmente, uma liderança e um programa sério para Lisboa.

Como justifica que o PS pareça estar a seduzir tantos elementos de outros partidos?
E mesmo independentes. Ainda está muito longe do que pode fazer. A política, hoje em dia, faz-se com base em objectivos que motivem as pessoas. É isso que, inteligentemente, Sarkosy está a fazer em França. Espero que Sócrates copie. Há muita gente com qualidade, que pode ajudar o país, se lhe for pedido.

Gosta mesmo de José Sócrates?
Gostar, gostar, gosto de pouca gente e preciso de os conhecer muito bem. Mas não tenho dúvidas nenhumas de que Sócrates está a ter coragem para fazer muitas coisas que outros que anunciaram e não fizeram.

Dê lá um parecer jurídico sobre o financiamento partidário.
Gostava que o financiamento fosse cada vez mais bem controlado. O que Saldanha Sanches está a fazer na candidatura do António Costa é exemplar. Pode ser publicado e copiado.

Parecer jurídico sobre a bufaria na função pública.
Os portugueses são uns vidrinhos. Eu fui vítima dos vidrecos. Portanto, estou sempre do lado daqueles que têm processos disciplinares por razões que têm a ver com a forma como falam ou deixam de falar.

Desfiliou-se do PSD, saiu da Ordem, é um homem de rupturas?
Sou, também. Mas também sou um homem de continuidades.

Depois da reforma, imagina-se a fazer o quê?
A escrever livros, a passear, a conhecer sítios que não conheço para levar para o outro mundo imagens bonitas que me entretenham. Imagino que no céu não há paisagens nem monumentos como aqui.

Não é muito cedo para falar do outro mundo?
Não sei. A morte pode chegar a qualquer momento sem me consultar.

Dos sete pecados capitais, a gula é o seu eleito?
É aquele que eu confesso com mais facilidade em público.

Janta sempre no seu restaurante, quando está no Porto?
Não. Aliás, hoje em dia, já não é o meu restaurante [Kool, na Casa da Música], já não estamos ligados ao projecto. Mas sempre que venho ao Porto janto em sítios agradabilíssimos e como sempre muito bem.

Vinicius de Morais diz que as mulheres para serem bonitas…
…têm que ter alguma coisa que nasce da tristeza de ser mulher e viver só com o seu bem.

Isso. É assim?
Acho que sim. Falando, por uma vez, com seriedade absoluta, a minha mãe enviuvou muito cedo e o meu pai morreu quando eu tinha três anos. A imagem da mulher que eu tinha em pequeno era da mulher triste e o desejo que ela deixasse de o ser. Isso marca-nos para o resto da vida.

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Miguel Sousa Tavares


"Dá-me imenso prazer ser lido por benfiquistas"

Chegou atrasado ao lançamento do livro de um amigo, no Porto. Miguel Sousa Tavares, escritor consagrado ao primeiro romance, aceitou responder à entrevista no fim da apresentação. No jardim, para poder fumar. Em 10 minutos e oito segundos resume tudo: "Choro para dentro".

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva, publicada na série "Farpas" do JN, a 15 de Julho de 2007]

Já alguém leu o seu novo romance?
Já. Os editores e a minha mulher.

A sua mulher é sempre o seu teste?
É normal. Embora ela não tenha lido todo, só algumas partes.

Não é meio presunçoso dizer que será a sua consagração como escritor?
Mas eu disse isso? Não.

A citação, pelo menos, foi-lhe atribuída...
O que eu disse é que será a minha consagração ou o meu enterro.

Disse que gostava de ver o 'Equador' adaptado ao cinema. Ficar pela série televisiva não é ficar a meio do caminho?
Não. Eu tenho cinco propostas para cinema, só que ainda não se concretizou nenhuma. Há a hipótese de o filme poder ser feito lá fora. Estou à espera da tradução inglesa, que está com um ano de atraso.

Dá palpites sobre os actores que quer ver na série?
Contratualmente não posso, mas dou palpites. E posso dizer, em segredo, que já recebi muitas cunhas de actores e de actrizes.

Nos cafés ou na praia, costumava reparar em quem lia o livro?
Reparava porque, modéstia à parte, havia muita a gente a lê-lo, sobretudo na praia. A cena mais engraçada é um casal na praia a ler o livro ao mesmo tempo e a discutir o final. Não perceberam que eu estava atrás deles e cada um tinha a sua interpretação.

É a potencial leitura deste Verão?
Não. Só sai Outubro.

Aparentemente, a acusação de plágio não provocou grandes danos na opinião pública, que o defendeu. E em si?
Estou à espera que a polícia judiciária consiga identificar o anónimo que fez a acusação. Eu tenho desconfianças, mas isso não serve de prova. O problema é que o servidor que ele utilizou está sediado nos Estados Unidos e já foi pedido a um Tribunal americano que indique o nome dele, mas é complicado os americanos dizerem que sim. Em relação à opinião pública, n ão é verdade isso que diz. Nos meus leitores não teve grande repercussão; a nível da inveja nacional, teve, como é óbvio. E sobretudo a nível de alguma imprensa, e de onde eu menos esperava, do jornal Público onde trabalhei 12 anos. O jornal agarrou aquilo como uma reacção de inveja do tipo. "Vamos tentar destruir isto".

Gosta no novo Público?
Não. Detesto. Deram cabo do jornal. Ainda bem que saí de lá antes.

Ganhou aversão à internet?
Não. O meu novo livro tem muita investigação graças à Internet, que também uso para jogar Bridge, quando estou cansado. E uso quando tenho muitas saudades de terras de que gosto: Rio de Janeiro, Veneza. Para sites de conversa não tenho paciência. Aliás, acho que as pessoas falam de mais em Portugal.

Há um blogue de um admirador que se dedica exclusivamente a reproduzir as suas crónicas na 'Bola'. Já teve algum fã psicopata?
Não conheço esse blogue. Mas já tive algumas fãs psicopatas, sim. Mulheres. Tipo, aquele filme horrível, 'Atracção fatal'. Perseguiam-me de automóvel, faziam-me esperas nos sítios mais inesperados, às horas mais incríveis. Um coisa tenebrosa.

O que sente uma pessoa que sabe que no dia em que publica a crónica na "Bola", o jornal vende mais dez mil exemplares?
Sinto que quando isso não acontecer tenho que deixar de escrever. Sou muito bem pago para escrever, e devo esses índices aos meus leitores, que têm direito a esperar coisas de mim. Às vezes, acho que não devia escrever ,porque não me sinto em forma. E tenho pena que o contrato implique escrever todas as semanas, porque gostava de dar sempre o melhor e, às vezes, não acontece.

Escrever na 'Bola' é uma espécie de provocação? Dá-lhe prazer pensar que são sobretudo os benfiquistas que o lêem?
Imenso prazer. Enfiei uma bandeira azul e branca no castelo benfiquista e é muito estimada.

O seu fanatismo pelo FCP é mesmo incontrolável ou já faz parte de uma certa imagem que criou?
Antes de eu ser figura pública, o meu fanatismo pelo Porto era 20 vezes pior. Chorava e vomitava a ver o Porto jogar de nervos.

É perigoso ver um jogo de futebol ao seu lado?
Não, hoje em dia fico paralisado. Já vi o Porto ganhar tanto que já me habituei.

E se o Porto estiver a perder?
Em casa não é perigoso; no estádio, sim.

Tem alguma expectativa em relação ao filme de João Botelho?
Ainda não é desta que ele vai fazer um filme capaz.

Diz que odeia fazer palestras, conferências, simpósios e que não o faz a não ser a troco de dinheiro. Mas faz apresentação de livros. A troco de quê?
A troco de nada. Faço isso por amigos. Mas também não gosto de fazer.

E escreve prefácios, alguns improváveis. O que é que o autor tem de ter para o caucionar?
Tenho que gostar da obra e admirar a pessoa. Mas já tenho dito que não a amigos. O prefácio mais improvável que eu fiz foi do João Garcia, o alpinista, que não conhecia de lado nenhum. Ele tinha acabado de ter o acidente no Evereste e apareceu lá em minha casa sem a ponta dos dedos, sem a ponta do nariz a dizer que eu era a pessoa que ele queria para escrever o prefácio. E eu fiz e gostei imenso.

No livro da actriz Maitê Proença, "Entre ossos e a escrita", diz ter descoberto que, "afinal, as mulheres também choram". Foi um alívio?
Foi. Bem-vindas ao mundo dos seres humanos.

E a si, o que o faz chorar?
Muita coisa. Mas, basicamente, choro para dentro.

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